sábado, 1 de dezembro de 2007

A estrela de Belém


Viaje no tempo e descubra detalhes sobre os fenômenos que iluminaram os céus do hemisfério norte à época do nascimento de Jesus


"Em 12 de agosto do ano 3 a.C., ocorreu uma conjunção muito luminosa dos planetas Júpiter e Vênus na constelação do Leão"

Poucos símbolos são tão evocativos quanto a Estrela de Belém. Todo presépio com a cena da Natividade mostra os Reis Magos, vindos do leste, guiados pela estrela cujo brilho dominava os céus, adornando a noite com o augúrio de um bom presságio, o nascimento de Jesus. Já bem antes dessa época, os céus representavam a escrita dos deuses. Para os babilônios, que inventaram a astrologia, a posição relativa dos planetas e estrelas era carregada de significado, determinando o futuro de um rei ou a fertilidade das colheitas vindouras. Para os chineses, cometas eram um sinal de que algo de terrível iria acontecer. Sem compreender o aparecimento imprevisível de luminárias celestes, as civilizações antigas atribuíam a elas mensagens divinas, boas e más.

O que sabemos da Estrela de Belém? Segundo o Evangelho de São Mateus, a melhor pista que temos, deduzimos que deve ter sido um objeto celeste novo, já que serviu para guiar os Reis Magos do leste. A "estrela" apareceu duas vezes: primeiro, quando os reis tiveram uma audiência com Herodes em Jerusalém; depois, ela "pairou" sobre Belém. Mateus não diz que a estrela era particularmente brilhante, e Herodes não a viu, pois perguntou aos reis quando ela surgiu.

Temos, claro, que supor que a "estrela" de fato existiu e que não era uma aparição sobrenatural. Nesse caso, a questão que vários astrônomos e historiadores da ciência vêm se perguntando há anos é: que tipo de fenômeno astronômico poderia ter causado a aparição celeste?

Para obtermos uma resposta, temos que datar o nascimento de Jesus. Isso é um tanto complicado, pois não existe um registro definitivo. O período mais aceito pelos historiadores é entre os anos 8 e 1 a.C. - ou seja, Jesus provavelmente nasceu antes de Cristo. Mesmo esse intervalo é ainda muito longo. Afinal, coisas interessantes ocorrem nos céus todos os anos. Fontes mais recentes localizam o nascimento em torno de 3 a.C. Quais os candidatos astronômicos da época para a Estrela de Belém?

Se supormos que o evento foi luminoso o suficiente para ser visto em outros países do hemisfério norte, podemos descartar a possibilidade de que a estrela era um cometa ou uma explosão de supernova. Ambos os eventos teriam sido registrados por astrônomos em outras partes do mundo, especialmente na China, onde essas coisas eram levadas a sério. Ademais, cometas eram considerados um mau presságio. Se tivesse sido uma supernova, poderíamos ver seus vestígios até hoje. Por exemplo, a Nebulosa do Caranguejo corresponde aos restos de uma supernova que explodiu no ano 1054 e que foi devidamente registrada por astrônomos chineses e árabes.

Outra possibilidade sugerida é uma chuva de meteoros ou mesmo um meteoro de órbita irregular. A probabilidade, porém, é muito pequena, pois meteoros são vistos por pouco tempo, e a "estrela" pairou nos céus por um período relativamente longo.

Que possibilidade resta, então? Se olharmos para o céu em torno de 3 a.C. - e isso é possível hoje com computadores que recriam exatamente a posição dos planetas e estrelas em qualquer momento do passado -, encontramos um candidato para o evento: uma conjunção planetária especialmente brilhante. Conjunções ocorrem quando vemos dois ou mais planetas ocuparem o mesmo ponto no céu. Na verdade, estão muito distantes, mas, vistos da Terra, parecem se sobrepor. No ano 3 a.C., ocorreram nada menos do que nove conjunções. Mas, no dia 12 de agosto, ocorreu uma conjunção dos planetas Vênus e Júpiter na constelação do Leão, que, além de muito luminosa, tinha um forte significado astrológico. E devemos lembrar que os "reis" eram, muito provavelmente, astrólogos. Para os babilônios, Vênus era Ishtar, a deusa da fertilidade, e Júpiter, o planeta-rei. O casamento celeste deu origem ao nascimento do menino-deus.

Não podemos comprovar, ao menos sem mais dados históricos, se foi esse o evento astronômico que transformou-se na Estrela de Belém. De qualquer forma, é importante meditar sobre a relação entre a Bíblia e a História sob a luz da ciência.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A natureza por trás de um véu


Nosso colunista entra fundo na discussão da reportagem de capa desta edição: afinal, quem (ou o quê) era Deus para Einstein?


"O credo de Einstein era formado por equações, a língua universal do Cosmo"

Quem acha que ciência e religião são duas coisas completamente antagônicas deveria ler a célebre autobiografia de Albert Einstein. Pois é, um dos maiores nomes da ciência de todos os tempos, o homem que nos presenteou com toda uma nova visão de mundo, era uma pessoa profundamente religiosa. Porém o sentido dessa religiosidade deve ser entendido com muito cuidado. Einstein detestava autoridade de qualquer espécie, especialmente a que se impunha por meio de ortodoxias religiosas ou políticas. Não acreditava em um deus sobrenatural ou em qualquer forma de religião organizada. Sua religiosidade foi evoluindo aos poucos, do tradicional ao pessoal, uma história de amor entre a razão e o mundo.

Como ele mesmo afirmou, quando menino era bastante religioso no senso comum, mistificado pelos mistérios da natureza e pela possibilidade de um deus criador. Com 5 anos, seu pai deu-lhe uma bússola de presente. O menino Einstein olhava boquiaberto para o instrumento, tentando entender por que apontava sempre para o norte, que segredos ocultava. Forças invisíveis estavam atuando, revelando um aspecto mágico da natureza, uma realidade que ia além da nossa percepção sensorial.

Aos 12 anos, essa fé num criador que comandava o mundo se transformou. Einstein deixou de acreditar nas histórias da Bíblia e passou a se aprofundar no estudo da ciência. Se a natureza ocultava a sua essência dos homens, cabia a eles tentar desvendá-la. E, para isso, o único caminho era por meio do uso da razão, do método científico. Apenas desse modo seria possível mergulhar fundo nos mistérios do Cosmo e decifrá-los para que todos compartilhem de sua beleza. Einstein considerava essa busca, a devoção de um cientista, a verdadeira religião: "A mais profunda emoção que podemos experimentar é inspirada pelo senso de mistério. Essa é a emoção fundamental que inspira a verdadeira arte e a verdadeira ciência", escreveu. Vemos que os mistérios do mundo despertavam a mesma emoção que sentiu quando era menino, ao ver a bússola apontar para o norte. A emoção do menino inspirou a devoção do cientista, uma devoção que o próprio Einstein acreditava ser essencialmente religiosa: "A existência de algo que nós não podemos penetrar, a percepção da mais profunda razão e da beleza mais radiante no mundo à nossa volta, que apenas em suas formas mais primitivas são acessíveis às nossas mentes - é esse conhecimento e emoção que constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e nesse sentido apenas, eu sou um homem profundamente religioso".

Para Einstein, a religião organizada, com sua ênfase em hierarquias e poder, com seu autoritarismo e repressão, violava a essência da espiritulidade humana, que deveria ser livre para dedicar-se ao que existe de mais importante em nossas vidas, o mundo onde vivemos e as pessoas com quem dividimos nossa existência. Nós somos matéria antes, durante e após as nossas vidas, matéria em diferentes níveis de organização. Enquanto vivos, nada mais nobre do que nos entregarmos à natureza, ao seu estudo e contemplação. Era essa a essência da religiosidade humana, associar o sagrado à natureza, e não a uma divindade antropomórfica, vaidosa e caprichosa.

Einstein acreditava na força da matemática, da razão, para decifrar a essência do mundo natural. Seu credo era formado por equações, a língua universal do Cosmo. Durante as três últimas décadas de sua vida, dedicou-se à busca de uma teoria unificada, uma teoria capaz de descrever todos os fenômenos naturais a partir de uma única força, a causa de todas as causas, o princípio absoluto. Se Einstein acreditava em algum Deus, era nesse, cuja essência única se ocultava na diversidade dos fenômenos naturais, como uma noiva que oculta o seu sorriso por trás de um véu, seduzindo o noivo a vislumbrá-lo.

sábado, 1 de setembro de 2007

Sobre o nada


Parte da história do conhecimento humano trata de uma das questões mais complexas da ciência moderna: o que há no vazio do espaço?


Imagino que, ao ler o título desta coluna, o leitor deva estar pensando que perdi de vez a cabeça. "Sobre o nada? Ele vai escrever o quê sobre isso? O nada é o nada e pronto!" Não se esqueçam da música de Gilberto Gil: "É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar". O vazio, ou melhor, o nada, não é nada trivial. Aliás, entender o nada é uma das questões mais complexas da ciência moderna. E, também, uma das mais antigas.

Aristóteles, o grande filósofo grego que viveu no século 4 a.C., dizia que "a natureza odeia o vazio". Ele acreditava que o espaço vazio não existia. O Cosmo seria preenchido por uma substância misteriosa chamada de quintessência ou éter, a mesma que, em densidades maiores, compunha o Sol, a Lua e os demais objetos celestes. O nome quintessência vem do fato de essa substância ser o quinto tipo de matéria, existente apenas no espaço. Na Terra, tudo era composto de quatro elementos: terra, água, ar e fogo. Aristóteles respondia aos atomistas, filósofos que propuseram um mundo completamente diferente: para eles, tudo era feito de átomos, partículas indivisíveis que podiam se combinar para formar tudo o que existe. Os atomistas diziam que os átomos eram "plenos" e que se movimentavam no vazio, a ausência de substância. O vazio era o que chamaríamos de nada.

A história da física poderia ser contada como uma história do nada. Por incrível que pareça, a controvérsia iniciada no tempo dos gregos permanece até hoje. Isaac Newton, por exemplo, era um atomista. Já o francês René Descartes, que morreu em 1650, quando Newton tinha oito anos, não acreditava no vazio.

Usando suas belas leis da mecânica e da gravitação, Newton provou que, ao menos no Sistema Solar, o espaço era mesmo vazio. Parecia que os atomistas estavam certos. Tudo embolou no século 19, quando o escocês James Clerk Maxwell provou matematicamente que a luz era uma onda eletromagnética propagando-se a 300 mil quilômetros por segundo. De onde vinha essa luz? De oscilações de cargas elétricas no coração da matéria - em 1870, apesar da suspeita de muitos, ainda não se sabia que a matéria era mesmo feita de átomos. Quando você atira uma pedra numa lagoa, vê as ondas propagando-se em círculos concêntricos. Essas ondas são oscilações na água, resultado da transferência de energia da pedra para a água. Até então, achava-se que todas as ondas se propagam em um meio material. As ondas de som, por exemplo, propagam-se no ar - por isso explosões no espaço não fazem barulho, algo que Hollywood recusa-se a aceitar. Qual era o meio em que as ondas de luz se propagam?

Ninguém sabia. Porém, como a luz das estrelas atravessa distâncias enormes, o espaço não pode ser vazio. Daí que os cientistas postularam a existência de um meio material preenchendo todo o espaço que chamaram de… éter! (Aristóteles deve ter sorrido no paraíso dos filósofos.) Foram 40 anos de agonia tentando encontrar esse éter, sem sucesso. Só em 1905, para alívio de alguns e desespero de muitos, Einstein provou, com sua teoria da relatividade especial, que o éter não existe: a luz se propaga no espaço vazio. (Agora foi a vez de Newton sorrir no paraíso dos físicos.)

Fim da história? De jeito algum! Em 1998, astrônomos descobriram que galáxias muito distantes estão se afastando com velocidade acelerada, como se uma misteriosa força antigravitacional agisse sobre elas, a energia escura. O que pode estar causando isso? Ninguém sabe. Mas, seja o que for, é algo que preenche todo o espaço. Um dos candidatos recebeu até o nome de quintessência. Parece que o espaço vazio está mesmo cheio de éter

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A unificação da física


Às vésperas da entrada em funcionamento do acelerador de partículas LHC, na Suíça, nosso colunista faz um balanço das expectativas entre a comunidade científica


Esses são meses cheios de expectativa para milhares de físicos. O gigantesco acelerador de partículas suíço, conhecido pelo seu nome nada romântico "Grande Colisor de Hádrons" (do inglês "Large Hadron Collider", ou LHC), está esquentando os motores, prestes a entrar em funcionamento. Na sua performance, está depositada não só a esperança de prêmios Nobel como carreiras inteiras. Milhares de artigos foram escritos sobre os possíveis resultados dos experimentos. Outros milhares serão escritos sobre a análise dos dados que virão a ser colhidos (veja "Horizontes" de dezembro de 2006).

Afinal, por que essa máquina é tão importante? O LHC é um túnel circular de 27 km de circunferência a 100 metros abaixo da superfície, na fronteira entre a Suíça e a França. Uma colaboração de dezenas de países, incluindo o Brasil, o acelerador visa responder a algumas das questões mais fundamentais da física. Qual a origem da massa das partículas elementares, como o elétron? Por que um próton pesa 2.000 vezes mais do que um elétron? Quantas dimensões existem no espaço, fora a altura, a largura e o comprimento que conhecemos? Será que a física pode ser reduzida a uma única teoria capaz de explicar todos os fenômenos do mundo natural?

O sonho de unificação de todas as forças da natureza numa só, o "campo unificado", é uma inspiração misteriosa que move a pesquisa de ponta da física de altas energias. Einstein dedicou os últimos 30 anos de sua vida procurando por uma teoria que unificasse a gravidade e o eletromagnetismo. Acreditava que as duas forças eram, na verdade, manifestação de apenas uma. Por trás da sua busca, encontramos uma visão da natureza influenciada por conceitos judaico-cristãos: a idéia de que o mundo, em todas as suas manifestações materiais, decorre de um princípio único, uma espécie de monoteísmo natural. Será que a natureza realmente funciona assim?

Apesar de Einstein ter falhado em sua empreitada, a busca pela unificação continua a inspirar milhares de físicos. À gravidade e ao eletromagnetismo, juntam-se as forças nucleares forte e fraca, cujos efeitos só são sentidos a distâncias subnucleares. Unificar quatro forças cujos efeitos vão desde o interior do núcleo, a millhares de trilhonésimos de um centímetro (10-15 cm) até distâncias cosmológicas de trilhões de trilhões de centímetros (1024 cm) não é nada fácil. Dentre as várias dificuldades está a formulação da gravidade em termos consistentes com a física quântica, a física que descreve o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas. Esse casamento da gravidade com o átomo ainda não ocorreu. Mas idéias não faltam.

Dentre elas, a mais famosa envolve as "supercordas", tubos de energia de dimensões imperceptíveis mesmo aos aceleradores mais poderosos. No mundo quântico, tudo flutua; é impossível determinar ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula. Como posição e velocidade definem a energia de uma partícula, a própria energia flutua. Com a gravidade isso é um problema. Segundo Einstein, a gravidade é explicada pela curvatura do espaço-tempo, a arena onde ocorrem os fenômenos naturais. Portanto, a distâncias muito pequenas, onde efeitos quânticos influenciam a gravidade, a própria geometria do espaço flutua! Isso acarreta resultados estranhos, que são aliviados pelas supercordas. Essencialmente, elas introduzem uma distância mínima, regularizando o comportamento da gravidade.

Se os físicos tiverem muita sorte, fora a questão da massa, o LHC poderá ver efeitos relacionados com as supercordas. No momento, nada podemos afirmar. Tudo vai depender dos dados colhidos no acelerador gigante. Afinal, nem sempre a natureza corresponde às nossas expectativas e sonhos.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Maestro invisível


Nosso colunista deixa os mistérios da astrofísica de lado e aventura-se no tema desta edição de Galileu: os mecanismos que regem o cérebro humano


"Talvez nenhuma questão seja tão misteriosa e importante quanto a do funcionamento do cérebro"

Quem é você? O que faz de você um ser único dentre mais de seis bilhões de humanos? Por que você é diferente dos seus irmãos e primos? Por que, a um nível mais básico, somos diferentes dos macacos? De todas as perguntas fascinantes que fazemos sobre o Universo e sobre a vida, talvez nenhuma seja tão misteriosa e importante quanto a questão do funcionamento do cérebro. É graças a ele que amamos, sonhamos, sofremos, corremos, nadamos, nos lembramos do passado ou apreciamos uma boa refeição. É graças a ele que você é você.

No século passado, cientistas determinaram que o cérebro é formado de pequenas entidades capazes de se comunicar entre si por meio de impulsos elétricos. Essas unidades fundamentais, os neurônios, são os "átomos" do cérebro, em torno de 100 bilhões deles. Eles se comunicam por meio de dendritos (receptores) e axônios (transmissores), tentáculos que estabelecem centenas de trilhões de conexões entre os vários neurônios. Cada cérebro carrega, em menos de dois quilos de matéria, aproximadamente o mesmo número de dendritos que o de grãos de areia na praia de Copacabana!

O poder de processamento de informação oferecido por tal número de conexões entre neurônios é incalculável. Em linguagem imprecisa, mas sugestiva, o cérebro é como um hiper-computador, no qual cada neurônio é uma CPU. Só que, diferentemente dos computadores modernos, nos quais a corrente elétrica flui linearmente entre uma ou duas CPUs ou é distribuída entre centenas ou milhares delas em computadores paralelos, no cérebro os trilhões de ligações entre as CPUs são infinitamente mais versáteis. O resultado é uma entidade eletrobiológica ("máquina" não parece um termo adequado) capaz de captar, por meio dos cinco sentidos, uma quantidade gigantesca de informação e, após processá-la, de recriar, integrando essa informação toda, o que chamamos de percepção da realidade. Ou seja, o que chamamos de "realidade" é uma re-criação do cérebro, o mais perfeito dos simuladores virtuais.

Comparando a nossa percepção da realidade, considerada como uma simulação virtual realizada por meio de neurônios, com os computadores mais modernos vemos o quanto ainda temos que aprender sobre o funcionamento do cérebro. Um dos sonhos dos cientistas da computação é a criação de uma máquina capaz de pensar, uma inteligência artificial. Durante os anos 1960 e 1970, grandes pronunciamentos foram feitos, anunciando a proximidade dos computadores inteligentes. E dos carros voadores… Até agora nenhum dos dois foi inventado. No caso dos computadores inteligentes, quanto mais aprendemos sobre o cérebro mais impressiona a sua complexidade. E, infelizmente, mais remota a possibilidade de construirmos uma máquina inteligente, ao menos no futuro mais próximo.

Nos últimos dez anos, tecnologias de visualização não-invasivas, como a Imagem por Ressonância Magnética (MRI) e a Tomografia por Pósitrons (PET), vêm permitindo o estudo do funcionamento do cérebro em tempo real, ou perto disso. Essas pesquisas revelaram a enorme capacidade que os neurônios têm de funcionar em grupo, alguns com milhares deles, como estrelas piscando na noite, e de diferentes grupos comunicarem-se em regiões diferentes do cérebro, como se fossem instrumentos numa orquestra regida por um maestro invisível. Ouvir uma música ou pensar nela aciona grupos semelhantes de neurônios. É dessas intricadas relações que o seu cérebro conjura a sua pessoa, a sua mente, você: tão diferente dos outros bilhões de pessoas no mundo, mas, em essência, também tão igual.

terça-feira, 1 de maio de 2007

“Onde está todo mundo?”


Apesar das possibilidades remotas, nosso colunista inclui a si mesmo no grupo de cientistas que nutrem a esperança de um dia encontrar vida alienígena inteligente


A pergunta do título foi feita pelo grande físico italiano Enrico Fermi a alguns de seus colegas de Los Alamos, o laboratório americano onde, entre 1942 e 1945, foi construída a bomba atômica. Fermi não se referia a uma lista de convidados para uma festa. Sua preocupação era com os seres extraterrestres que, supostamente, deveriam já ter nos visitado.

Fermi raciocinou da seguinte forma: sabemos que nossa galáxia, a Via Láctea, tem em torno de 100 mil anos-luz de diâmetro e uma idade de 10 bilhões de anos. Se alguma forma de vida inteligente tivesse desenvolvido espaçonaves capazes de viajar, digamos, a 10% da velocidade da luz (isto é, 30 mil km/s), teria atravessado a galáxia 10 mil vezes em 10 bilhões de anos. Nessas travessias todas, por que não deram uma ou mais paradinhas por aqui? Onde estão os ETs?

OK, você pode argumentar que é extremamente improvável que uma civilização tivesse se desenvolvido a tal ponto de sofisticação logo no início da vida da galáxia, há 10 bilhões de anos. Afinal, a Terra só surgiu há 4,6 bilhões de anos, e a vida inteligente, em torno de 100 mil anos atrás. Ou seja, passaram-se quase 5 bilhões de anos até que vida inteligente pudesse aparecer aqui. Tudo bem, dou um desconto. Digamos, então, que seres ultra-sofisticados surgiram em algum outro ponto da galáxia há 1 bilhão de anos. Nesse caso, eles teriam tido tempo de atravessar a galáxia mil vezes. Cadê eles?

Existem várias respostas possíveis para essa pergunta. Muitos acreditam que eles estiveram já por aqui. Outros que ainda estão. Infelizmente, não temos qualquer prova disso. Não existem artefatos com tecnologia alienígena, provas de teoremas matemáticos dadas a cientistas, sabedoria profunda de inteligências mais sofisticadas reveladas a filósofos ou políticos, nada de concreto. Existem depoimentos, visões e miragens que podem ser explicadas muito mais facilmente como fenômenos atmosféricos do que como sendo espaçonaves. Os deuses, segundo a opinião da maioria absoluta dos cientistas, não eram astronautas. É muito mais fácil acreditar em algo quando se quer muito acreditar nesse algo.

Sei que essa posição irá desapontar aqueles que juram ter visto algo estranho e "inexplicável" nos céus. Eu também já vi, mas era um meteorito espetacular. Os cientistas não são céticos porque são chatos; são céticos para proteger a sociedade de abusos da verdade, charlatanismo e oportunismo que ainda ocorrem com muita freqüência. Seríamos os primeiros a celebrar a descoberta de vida extraterrestre. Afinal, a natureza é cheia de surpresas, e muito mais esperta do que nós.

O que sabemos é que, ao menos no nosso Sistema Solar, a possibilidade de vida existe, mas é remota. Talvez tenha existido em Marte, talvez existam seres muito exóticos em Europa, a lua de Júpiter que tem um oceano sob uma crosta de gelo. Vários fatores complicam a questão. Mesmo que a vida seja muito criativa e resistente, as condições nos outros planetas são muito difíceis: frio ou calor intenso, radiação destrutiva, falta de água. Fora isso, o pulo em complexidade de vida para vida inteligente é imenso. Acho provável que exista vida em outros planetas e luas pela galáxia. Porém a probabilidade de que essas formas de vida sejam inteligentes e tecnologicamente sofisticadas a ponto de viajar pelo espaço a velocidades altíssimas é muito pequena.

Mas não é nula. É isso que nutre a esperança de tantos, não só a dos que juram já ter visto os ETs, como, também, a dos cientistas céticos que sonham em vê-los.

domingo, 1 de abril de 2007

Uma outra inflação


Esqueça os problemas da economia. para a cosmologia, o fenômeno ajuda a compreender a expansão do universo


Parece brincadeira, mas inflação não é importante só em economia. Em cosmologia é algo crucial. Aliás, com papel inverso. Se em economia inflação causa problemas, em cosmologia ela resolve. O que ambas têm em comum é o crescimento acelerado de alguma quantia. No caso da economia, dos preços das coisas; na cosmologia, do tamanho do Universo.

O leitor deve estar se perguntando por que o crescimento acelerado do tamanho do Cosmo é algo de bom para a cosmologia. Tudo começa com o Big Bang. Segundo esse modelo, aceito pela maioria absoluta dos cientistas em razão de suas várias confirmações observacionais, o Universo teve uma infância muito quente e densa e vem se expandindo e resfriando desde então. Hoje, sabemos que o Cosmo tem uma idade finita, um pouco menos que 14 bilhões de anos. Porém, apesar de seus inúmeros sucessos, o Big Bang, como qualquer modelo científico, tem suas limitações. Por exemplo, sabemos hoje que o espaço tem uma geometria plana. Isso significa que ir para o norte ou o sul, para o leste e o oeste, ou para cima e para baixo dá no mesmo. Poderia, alternativamente, ter a geometria de uma bola, como Albert Einstein imaginou em 1917. O modelo do Big Bang não explica por que venceu a plana, dentre as várias possíveis geometrias para o espaço.

Existem outras limitações do Big Bang, mas vamos focar só na geometria do espaço. O objetivo da ciência é tentar explicar o máximo possível sobre o mundo natural com um mínimo de suposições. Portanto, quanto mais poderoso um modelo, mais ele pode explicar. Por que a geometria do Universo é plana? Será que existe alguma explicação plausível?

Em 1981, o físico americano Alan Guth, hoje professor no MIT (Massachusetts Institute of Technology), teve a seguinte idéia: e se o Universo, ainda bastante jovem, tivesse passado por um período no qual houvesse crescido violentamente rápido, como um balão que fosse inflado por uma bomba ultrapoderosa? Como sabemos graças aos balões de festas de aniversário, quanto mais os inflamos, menos curvos eles ficam. Basta focar um pequeno ponto e ver o que ocorre enquanto eles vão crescendo: quanto maiores, mais planos. Pois o mesmo acontece com a geometria do Cosmo: se ela inflar rapidamente, vai ficar extremamente plana.

Guth propôs que a energia necessária para inflar o universo-bebê tenha vindo da matéria que existia nessa época primordial, bem diferente da que vemos hoje, formada por átomos e moléculas. Teorias que descrevem como a matéria interage nas altíssimas energias que existiam logo após o "bang", milhões de trilhões de vezes maiores do que as liberadas nas explosões de bombas atômicas, incluem precisamente o tipo de matéria que dá o empurrão necessário ao Cosmo, causando sua inflação. Portanto, Guth sugeriu que a física do muito pequeno, das partículas elementares, explicasse a física do muito grande, a geometria plana do Universo.

Como todo bom modelo científico, o universo inflacionário fez outras previsões, fora a geometria plana do Cosmo. Uma delas, ligada à formação de galáxias e outras estruturas astronômicas, foi confirmada recentemente. Há poucas semanas, dei um seminário no MIT que calhou de ser no dia do sexagésimo aniversário de Guth. Ele era todo sorrisos. Seus colegas de trabalho encheram a sala de balões coloridos, cada um uma lembrança de sua idéia genial.

quinta-feira, 1 de março de 2007

Razão irracional?


Nosso colunista vê falhas no discurso de cientistas ateus como Richard Dawkins e revela: “o mistério do desconhecido me inspira por ser real”


O leitor de Galileu viu, na reportagem de capa da edição de janeiro, a nova face da antiga guerra entre ciência e religião: os cientistas, ao menos alguns deles, resolveram contra-atacar e criticar severamente a religião. Mais do que criticar, ridicularizar. Segundo Richard Dawkins, o famoso divulgador de ciência inglês, autor, entre outros, do celebrado "O Gene Egoísta", a religião é uma grande ilusão, perpetrada por milênios. Deus não existe, milagres não existem, o sobrenatural não existe. Em pleno início do terceiro milênio, é mais do que óbvio que a religião é desnecessária, coisa do passado.

Como não podia deixar de ser, as afirmações de Dawkins e outros (por exemplo, Sam Harris e Daniel Dennett) ofendem muita gente. E deveriam. Me parece que Dawkins queria exatamente isso, polemizar. Bem, ele conseguiu. Seu livro "The God Delusion" ("A Desilusão Deus") está na lista dos mais vendidos nos EUA e ele apareceu na capa da "Time", uma das revistas mais lidas do mundo. As pessoas estão prestando atenção. Mas será que o que está sendo dito faz sentido? E, se faz, será que está sendo dito do modo certo?

Não há dúvida de que a ciência, na sua descrição material do mundo, é incompatível com a existência de uma realidade sobrenatural, paralela. A ciência lida apenas com o que é mensurável, com fenômenos quantitativamente verificáveis. Não existe espaço para depoimentos pessoais, visões ou alucinações de caráter religioso. Portanto, milagres, fantasmas ou outras entidades que não obedecem às leis naturais não entram no discurso científico. É simples: se algo ocorre e é visto, ou seja, se interage com alguém ou com um detector, passa a fazer parte da realidade. Como tal, deve ser compreensível como um fenômeno natural. Para a ciência, o sobrenatural não existe.

É fácil criticar as premissas da religião, ao menos ao nível mais básico. Se você acredita em Deus, não diga a seu filho que fantasmas não existem. E qual dos tantos deuses propostos pelas religiões do mundo é o Deus de verdade? Exemplos não faltam. Porém o argumento central de Dawkins é, na minha opinião, furado. Ele usa a razão para justificar o irracional. Segundo ele, Deus, sendo a entidade mais perfeita que existe, deveria ser o produto final da evolução, e não o seu precursor: se foram necessários 3,5 bilhões de anos até que a vida conseguisse fabricar seres inteligentes, demoraria muito mais para uma criatura perfeita surgir. O argumento falha por usar a teoria da evolução fora de seu regime de validade. Deus não obedece às leis de causa e efeito que regem o Universo material. Se a intenção de Dawkins era convencer pessoas incertas com relação à religião a mudarem de idéia, não acho que esse seja o caminho certo.

Mas, então, o que fazer? Primeiro, definir o público-alvo. Os religiosos ortodoxos jamais mudarão de idéia. Porém milhões de pessoas vão a igrejas e sinagogas mais por tradição do que por convicção. Vão não por acreditar que a hóstia é a carne de Cristo ou que os Dez Mandamentos vieram de Deus, mas porque seus avôs e pais também vão. Vão para pertencer a um grupo, para fazer parte de uma tradição cultural. Vão para se proteger do mundo, da dor, da perda. A ciência não tem o direito nem a função de interferir na fé das pessoas. O que deve ser feito é esclarecer, educar o público para evitar confusões. O erro da ciência é supor que tudo é razão. Já a religião erra quando quer ser ciência.

Muitos cientistas são religiosos por verem na natureza a obra de Deus. Não é o meu caso. A beleza que vejo na natureza não atribuo a Deus, mas à própria natureza. O mistério do desconhecido me inspira por ser real. E o mais fascinante é que, através da ciência, podemos decifrar ao menos parte dele.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Escuridão cósmica



Como todo modelo científico, o Big Bang tem suas lacunas. A maior de todas é o mistério sobre a matéria e a energia escuras



Acosmologia - a parte da física que estuda as propriedades do Universo - tem passado por momentos emocionantes. O assunto, como escrevi para a reportagem de capa de Galileu de novembro, é bem controverso. A origem do Universo, ou como surgiu "tudo", é algo que mexe com as pessoas, despertando apaixonadas discussões. Nos quase 80 anos desde que o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu que as galáxias distantes estão se afastando da nossa Via Láctea, o modelo do Big Bang tomou corpo e aceitação na comunidade científica: o prêmio Nobel de 2006 foi para John Mather e George Smoot, ambos responsáveis por observações que provaram conclusivamente que o Universo teve, de fato, uma infância muito quente e densa como prevê o Big Bang.

Porém, como todo bom modelo científico, o Big Bang também tem suas limitações. Existem várias lacunas ainda não explicadas, tanto nos primórdios da história cósmica, durante os primeiros centésimos de milésimo de segundo após o "bang", quanto, pasme caro leitor, no Cosmo atual.

Por incrível que pareça, não sabemos do que o Universo é feito. Ou melhor, qual a composição da matéria que preenche o Cosmo. A situação enfrentada pelos cosmólogos é semelhante à de um cozinheiro que sabe que precisa de três ingredientes para fazer o seu bolo, sabe a quantidade necessária de cada ingrediente, mas só conhece um deles.

O ingrediente conhecido, claro, é a matéria normal, feita de prótons e elétrons, que compõem tudo o que existe, das pedras e borboletas aos anéis de Saturno e as estrelas. O problema é que medidas obtidas nas últimas décadas indicam que essa matéria normal é a minoria absoluta no Cosmo. Para ser mais preciso, apenas 5% da matéria cósmica. E os outros 95%? Em torno de 1930, o astrônomo Fritz Zwicky demonstrou que galáxias que coexistem em aglomerados - grupos de galáxias que, atraídas pela própria gravidade, giram em torno de si mesmas como moscas em torno de uma lata de lixo - comportam-se como se atraídas por muito mais matéria do que aquela visível. Mais tarde, ficou claro que em torno de 90% da matéria em aglomerados e mesmo em galáxias individuais é invisível a olho nu.

O estranho é que essa matéria não é composta de elétrons e prótons como os nossos átomos. Sabemos que ela existe devido à sua força gravitacional, mas não sabemos do que é feita. Por isso, essa matéria foi batizada de "matéria escura". Medidas das velocidades de galáxias em aglomerados e das propriedades da radiação de fundo cósmico - a radiação de microondas que banha o cosmo - indicam que aproximadamente 25% da matéria cósmica é matéria escura. Somando com os 5% de matéria normal, chegamos a 30%. Faltam os outros 70%…

Em 1998, outra descoberta astronômica sacudiu o mundo científico. Objetos muito distantes e brilhantes, conhecidos como supernovas do tipo Ia, parecem estar se afastando menos rapidamente do que a expansão prevista pelo Big Bang. Menos rapidamente com relação a quê? A objetos mais próximos. Como a luz vinda de objetos distantes deixou-os no passado remoto, a conclusão é fantástica: em torno de 10 bilhões de anos atrás, o Universo resolveu acelerar sua taxa de expansão, como se uma espécie de antigravidade tivesse passado a agir. A questão, claro, é o que pode causar esse efeito? Vários candidatos foram propostos para descrever essa "energia escura", que nem cara de matéria tem, não sendo formada por partículas, mas, sim, espalhada pelo Cosmo como uma sopa de energia. Sabemos que ela ocupa precisamente os outros 70% da receita cósmica. O desafio agora é descobrir o que são essa matéria e energia escuras. Quem acha que não existe emoção em ciência não sabe o que está perdendo!