segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ciência e Espiritualidade: um breve manifesto

A união de dois mundos opostos é possível?
A mágica da vida reside nela mesma


Na opinião popular, o título deste texto representa um paradoxo. Ciên­cia e espiritualidade habitam mundos dife­rentes, que em geral entram em conflito ao se aproxinarem. A primeira é vista como uma atividade exclusivamente racional, reducinista, materialista e fria, sem qualquer interesse por questões espirituais. Já a segunda é bem mais difícil de ser definida, representa uma busca pessoal, uma rela­ção com uma realidade que transcende o imediato, que nos conecta com o que vai além do material. Por isso a espiritualidade é considerada a antítese da ciência.

Para piorar, a busca espiritual costuma adotar uma posição que não só é contrá­ria ao materialismo científico, mas que o confronta. Ela passa a ser quase que uma "vingança" para quem está desiludido com um mundo cada vez mais explicável, des­tituído de mágica e poesia.

O movimento romântico do início do século 19 foi uma resposta direta ao racionalismo extremo do século 18. O poeta John Keats acusou Isaac Newton de ter "desfiado o arco-íris", deter roubado a sua beleza com suas expli­cações precisas sobre o comportamento da luz. Nada poderia ser menos verdadeiro.

Quem fecha os olhos para as des­cobertas da ciência moderna e se fia na ocorrência de fenômenos sobrenaturais, paranormais, astrológicos, quem acredita que duendes povoam florestas, quem jura que almas circulam pelo mundo dos vivos sem serem percebidas, faz o mesmo que o poeta: nega-se a apreciar a poesia e a beleza que a ciência nos revela, preferindo pensar como nossos antepassados. E sua crueldade é explorada por oportunistas.

Existe mágica de sobra no mundo que podemos ver com nossos olhos e com os instrumentos que inventamos para ampliar ­ a nossa visão da realidade. Não é preciso se fiar numa realidade invisível e sobrenatural, cuja existência depende de relatos individuais e que é sujeita à fé. Quando queremos muito acreditar em algo, isso se toma mais real. O querer acreditar compromete nossa habili­dade de decidir imparcialmente - ou quase - se uma asserção é ou não verdadeira.

Se meu pai está doente e a medicina moderna não pode fazer nada por ele, por que não levá-Io a um curandeiro, alguém com supostos poderes de exercer curas milagro­sas e inexplicáveis? A morte assusta, foge ao nosso controle, rouba aqueles que amamos. É difícil aceitar a postura materialista de que ela é mesmo o fim, que essa faísca que anima a matéria e nos faz amar e chorar se esvai por completo num piscar de olhos. Nosso dilema é termos consciência de que temos os dias contados. Aceitar esse fato é tão difícil que fazemos de tudo para driblá-Io,criando meca­nismos que vão além do que podemos provar. Talvez isso ajude muitos a aceitarem seus des­tinos. O triste é que os que estão convictos da existência dessa dimensão sobrenatural fechem os olhos para o que a ciência mostra.

Prefiro viver deolhos bem abertos e acei­tar a pré-condiçãodavida, a não-vida. lgnorar o que a natureza nos mostra todos os dias é viver menos, é se apegar a contos de fadas para evitar o confronto com a nossa condição humana. Saber morrer é saber viver, é saber aceitar o quanto são preciosos esses breves momentos que temos para amar, chorar, apreciar a beleza do arco-íris, vibrar com um gol eter medo de perder quem amamos. É na brevidade da vida que reside o seu segredo: saber viver sem medo de morrer. Isso não é nada fácil, e não acredito que tenha conquis­tado o meu próprio medo. Mas prefiro viver com ele a me iludircDm algo que nunca saberei se está certo ou não.

Ninguém gosta da idéia de morrer ou to de sofrer. Ninguém gosta de ver o sofri­mento de tantos no mundo. Porém, se a alternativa é achar que tudo isso vai ser diferente no "além", que forças ocultas regem nossas vidas e podem ser contro­ladas por meio de crenças místicas, ela me parece criar uma sociedade que não enfrenta os desafios que tem pela frente, escondendo-se nas promessas de um mundo inescrutável e inexistente.

Para mim, a mágica ocorre a cada momento em que estamos vivos, que podemos amar e sofrer, que podemos refletir sobre quem somos e sobre como podemos melhorar as nossas vidas e as dos que estão à nossa volta. Perceber essa mágica é abraçar a espiritualidade da ciên­cia. Com ela aprendemos quem somos e como nos relacionamos com o mundo e com o Universo. Entre os caminhos que temos para enfrentar nossos desafios, não vejo outro que possa mostrar o quanto a vida é preciosa e rara, que celebre deforma mais clara a mágica da existência.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O Fim Não Está próximo

Você já ouviu falar no tal APOCALIPSE MAIA DE 2012?


O pânico aumenta a cada dia. Na intemet, uma verdadeira proliferação de sites e bIogs discutem o que para mui­tos, é inevitável: segundo a profecia maia, "observações" astronômicas e conclusões de videntes e espíritas, o ano de 2012 trará a destruição de nosso planeta. Se não do planeta inteio, a de grande parte da vida nele. O mais espertos, claro, compra­rão os livros e os kits de sobrevivência disponíveis na intenet. Grupos cristãos faIan do Armagedão, o encontro entre o Bem e o Mal que marca o fim dos tempos. Blogs narram conspirações de governos e cientistas que escondem a verdade. Poque? Para evitar o caos, a desintegração da sociedade. Se soubéssemos que o fim está chegardo, nos autodestrui­riamos. Mas é só visitar sites como http:I/yowusa.com/planetx/#fuature para descobrir a "verdade". Afinal, faltam apenas quatro anos anos para o fim!

Nostradamus, como sempre, também havia previsto esse fin de mundo. Aliás, parece que ele previu vários deles aos quais felizmente, conseguimos sobreviver. Fico impressionado com a capacidade das pessoas em se deixar levear- por invenções como essas. Não existe absolutamente nada de verdadeiro nos ditos nos "fatos cien­tificos"- que levarão à terrível destruição do nundo em 2012. Não existe nenhum planeta X, ou Nibiru, cuja órbita aproximará da Terra numa órbita alongada aproxima-o da Terrra de tempos em tempos , causando devastações apocalípticas. Não foi ele o responsável pela destruição dos dinossau­ros e sim a a colisão de um asteróide de 10 km de diâmetro. Sem dúvida planetas e objetos estão sendo sempre descobertos. Em 2005, um novo planeta foi observado além da órbita de Plutão pelo grupo do astrônomo Michael Brown, do Instituto de T ecnologia da Califórnia, o Caltech. A uma distância média do 50.197 vezes maior do que a da Terra, o planeta - chamado temporariamente de 2003 UB313 - tem uma massa 1,5 vez maior do que Plutão. E é completamente inofensivo.

Muitos dizem que, no calendário maia, o dia 21 de dezembro de 2012 marca o fim do mundo. O que ocorre é que, nesta data, termina a contagem deste cido de tempo, o de número treze (que azar!), que durou 5.125 anos. Existe apenas uma inscrição incompleta nas ruínas de EI Tortuguero, em Chiapas (México), e dela foi criada a conjectura de que o fim do tal cido levaria à destruição do mundo e à criação de outro. Como os maias tinham uma astronomia de alta precisão, apesar de não terem telescó­pios, devemos concluir que a previsão deve estar correta, e o fim é mesmo inevitável.

Segundo a astronomia moderna, porém, não há nenhum objeto celeste em rota de colisão com a Terra no momento. Mas é verdade que isso ocorre de tempos em tempos. Em 1908, um fragmento de um corneta ou asteróide explodiu sobre uma região remota da Sibéria, destruindo 2000 km2 de floresta. Esse tipo de fenâ­meno é impossível de ser detectado com antecedência devido ao pequeno tamanho cio bólido - no caso, em tomo de 30­ metros de diâmetro. É também verdade que cometas podem penetrar incógnitos a região central do Sistema Solar (onde residimos) até estarem próximos da órbita de Júpiter, o que nos daria em torno de dois anos de aviso prévio. Mas a possibilidade de uma colisão com a Terra é muito, muito pequena. E, com esse prazo, seria possível enviar uma sonda para tentar desviar o cometa. Ou seja, só a ciência poderá nos salvar.

É preciso separar nossas ansiedades e o fato de vermos o mundo em crise de um medo religioso de destruição. Se temos a necessidade de uma nova coincidência para lidarmos com os problemas da nossa geração, o melhor a fazer é nos ajudarmos uns aos outros e não sucumbir à propaganda mentirosa dos que querem se aproveitar de nossas inseguranças. . Não é à toa que Carl Sagan chamou seu último livro de "O Mundo Assombrado por Demônios" e deu-lhe o subtítulo "a ciência vista como uma vela no escuro". Será que os vários fins de mundo de pro­fecias passadas não são suficientes para nos convencer de sua tolice? Ou vamos ter de esperar mais quatro anos?

terça-feira, 1 de julho de 2008

A Mágica da Existência

Na Grecia Antiga, mesmo após o aparecimento da filosofia e de pensadores como Platão e Aristóteles, a superstição ainda reinava suprema. As pessoas se fiavam completamente nas histórias míticas dos deuses do Olimpo, Zeus e sua corte, e nas previsões do Oráculo de Delfos. A astrologia também era muito importante, servindo, aliás, de inspiração aos astrônomos, que procuravam prever os movimentos dos astros celestes com precisão cada vez maior. Afinal, quanto mais preciso o seu mapa astral, maiores as "chances" de estar certo.

Esse tipo de apego ao sobrenatural
levava muita gente ao desespero. Sem poder controlar as fontes supernaturais de sua fé, as pessoas se entregavam a rituais que buscavam apaziguar os deuses, pedir favores, perdão ou vingança. Feito as oferendas que via na esquina da rua em que cresci no Rio de Janeiro, com a galinha preta junto à garrafa de cachaça e os charutos fumados pela metade. Mudaram os deuses, mas não o medo causado pela fé no sobrenaraI ou o impulso de pedir algo a entidades que não fazem parte da nossa realidade.

O poeta romano Lucrécio, que viveu entre 96 e 55 a. c. sabia bem das causas e consequências dessa fé no intangível. Em seu poema "Da Natureza das Coisas", escreveu: "Nem mesmo o brilho do Sol, a radiação que sustenta o dia, pode dispersar o terror que reside na mente das pessoas. Apenas a compreensão das várias manifestações naturais e de seus mecanismos internos têm o poder de derrotar esse medo".

Acho absolutamente fascinante que alguém que viveu há quase dois mil anos tivesse essa clareza de raciocínio no que tange ao poder da razão como antídoto contra o medo que subjuga os que se entregam ao desconhecido. Macumba dá medo. O Inferno também. Lucrécio enfatiza a compreensão dos fenômenos naturais - ou daquilo que hoje chamamos de ciência - como nossa arma contra o terror causado pela fé em uma realidade sobrenatural nem sempre benévola.

Apesar de antigo, o debate se renova constantemente. Hoje, após tantas descobertas científicas, ainda vemos grande parte da população confusa no que diz respeito à Teoria da Evolução de Darwin, à física quântica (que estuda o comportamento dos átomos e de seus constituintes) ou à Teoria da Relatividade e o modelo do Big Bang. Me parece paradoxal
que pessoas usem iPods, navegadores GPS, impressoras a laser, carros com computadores, TVs digitais e DVDs ainda sem saber que essas invenções são produto da física atômica e da relatividade. Mais paradoxal ainda é que vemos nosso comportamento social, o mal que somos capazes de fazer uns aos outros, e ainda nos achamos animais superiores, "inteligentes". Vamos à Lua, enviamos sondas até Marte, desenvolvemos curas para as mais variadas doenças, mas somos incapazes de entender por que nos matamos em guerras ou nas ruas. Entendemos hoje que o cérebro humano é um conjunto de neurônios regados por uma série de hormônios e outras substâncias químicas, criamos drogas para alterar nossas sensações e estados emocionais, discutimos até as origens neurocognitivas da fé e da felicidade, mas continuamos orando para deuses invisíveis que se recusam a falar conosco. Estamos em 2008, mas ainda continuamos a matar pobres galinhas pretas para pô-Ias nas encruzilhadas do nosso vasto País.

As palavras de Lucrécio ressoam hoje tão verdadeiras quanto há dois milênios. Sim, somos seres espirituais e precisamos nos apegar a algo maior do que nós para nos ajudar nos momentos mais difíceis da vida. Mas essa espiritualidade não deveria excluir a compreensão da realidade em que vivemos. Ao contrário, deveria incluí-Ia. Está na hora de entendermos que a mágica da existência não está em ser inexplicável, sobrenatural. A mágica da existência está justamente em ser explicável, em ser acessível às nossas indagações. A mágica da existência está justamente em ela ser humana.

domingo, 1 de junho de 2008

Jogo de Corpo

É bem verdade que discutir política, religião e futebol em geral dá briga. Mas, quando se trata de beleza, a discória é bem mais amena. Cresci indo à praia de Ipanema praticamente todo final de semana. E nada mais comum do que na passada de uma moça, digamos, bem proporcionada, ver dezenas de cabeças masulinas girarem na sua direção como se fossem atraídas por um ímã. As moças por sua vez, são sempre mais discretas, mas não há dúvida de que ocorre com elas. Descontadas as devidas peculialidades culturais, existe algo de universaol no critério humano de beleza, ou, falando mais francamente, de atração sexual.

Um amigo meu uma vez comentou, meio cinicamente, que todas as relações sociais giram em torno do sexo. Trivializando um pouco as coisas, homens competem pelo poder para impressionar as mulheres. Por sua vez elas se embonecam para ganhar a disputa pelos melhores machos. Que disputa é essa? Ao nível mais básico, é a luta pela preservação da espécie como um todo e em particular dos nossos gens. Não sei se vou tão longe quanto Richard Dawkins em arimar que somos, em essência, escravos dos nossos genes egoístas, mas não há dúvida de que a diferença básica entre humens e mulheres está ma suas funções sexuais. Enquanto um homem pode ter filhos com 50 ou mais parceiras, espalhando os seus genes feito sementes ao vento, as mulheres, devido ao longo periodo de gestação, têm de ser bem mais cautelosas nas sua escolhas.

Qual a melhor parceira? Aquela que gerará prole mais saudável, os filhos e filhas que levarão adiante seus genes, ajudando, com seus braços fortes e ventres férteis, a sobrevivência da família. Qual o melhor parceiro? Alquel eque é forte e saudável e melhor geurreiro , o melhor caçadr, o filho do chefe que tudo indica será o futuro chefe. Em termos quantitativos, parece que existe mesmo uma preferência milenar entre os homens por mulheres com quadris aproximadamente 70% maiores do que a cintura. As estatuetas da Vênus do Paleolítico, esculpidas há 28 mil anos, têm essa proporção. A modelo magrinha Twiggy, famosa nos anos 1970, e as mulheres gordinhas de Peter Paul Rubens, o grande pintor do século 17, também. Acha que, se sairmos com a fita mébica pelas praias do Brasil, serão as moças que estiverem perto dessa proporção que atrairão o maior número de olhares - bem, não estou propondo esse experimento!

Essa proporção de quadril para cintura não é acidental. As mulheres com essa relação são as mais férteis e, portanto, as mais cobiçadas pelos machos que visam semear seus genes mundo afora. Ela é determinada pelos hormônios sexuais, o estrogênio em particular. Mesmo que nos últimos 28 mil anos tenhamos desenvolvido códigos de comportamento social que amenizam nossos impulsos mais primitivos - e, amor à parte, o casamento é um grande paliaativo do possível caos hormonal - , em nossa essênàa continuamos sendo animais. Vemos isso não só no nosso comportamento individual como também em grupo. Não acredito que seja difícil para o leitor lembrar de situações em que isso ficou bem claro.

Aprender sobre nós mesmos, mesmo que um pouco incômodo, é muito importante. O fato de podermos associar certos comportamentos sociais à química dos hormônios - quem tem filho adolescente sabe muito bem do que estou falando - não significa que estejamos completamente à mercê do fluxo e refluxo de substâncias bioquímicas em nossos corpos. Pelo contrário: é conhecendo a nós mesmos que podemos evitar situações embaraçosas ou mesmo perigosas, usando uma arma que os outros animais não têm: o poder de reflexão. O conselho "pense antes de agir" é muito sábio. Por outro lado, o nosso córtex frontal não deve de modo algum inibir totalmente os nossos impulsos. Apenas torná-Ios mais... humanos.

terça-feira, 1 de abril de 2008

O fim justifica os meios


Apesar dos avanços nas simulações por computadores, a medicina e a biologia ainda não podem abrir mão dos testes feitos com animais


Cientistas interessados em salvar vidas (humanas) não têm muitas alternativas aos testes com animais. Que os façam do modo mais humano

Como é feita a ciência? Como os cientistas chegam às suas conclusões sobre os mecanismos e propriedades do mundo natural, da vida e do corpo humano? Essa questão vai ao coração do que constitui ciência e verdade científica. Muita gente acredita que ciência é sinônimo de verdade, que as afirmações dos cientistas são uma certeza absoluta. A coisa não é assim tão simples. Isso porque o próprio conceito do que é verdade evolui, muda com o tempo. O que era verdade na época de Cabral, um Cosmo fechado com a Terra imóvel no centro, não é mais verdade. Por outro lado, sabemos que, se alguém cair de um telhado, vai se espatifar no chão com uma velocidade calculável usando a lei da queda livre de Galileu, aprimorada nas leis de movimento de Newton. Essas leis não falham. Serão, então, uma verdade absoluta?

Tudo depende da natureza do fenômeno. Se a teoria científica é baseada em medidas, ela tem de oferecer uma descrição precisa do que está sendo medido. Por exemplo, no caso da queda, Galileu mostrou que todos os corpos, independentemente de suas massas, caem com a mesma aceleração. Essa aceleração, mostrou Newton mais tarde, depende da massa e do raio da Terra. Ou seja, em outro planeta, a lei de Galileu também funciona, mas os corpos cairiam com uma aceleração diferente. Fenômeno descrito, assunto encerrado, certo? Errado!

Teorias científicas estão sempre sendo testadas. E se o corpo cair muito rápido? E se a massa do planeta, ou melhor, de uma estrela, for muito grande? Será que as leis de Galileu e Newton ainda funcionam? A ciência avança justamente quando teorias são expostas ao seu limite de validade. De certa forma, cientistas são como crianças tentando quebrar seus brinquedos, testando até onde eles agüentam os seus abusos. São das falhas de uma teoria que nascem novas teorias. No caso da queda dos corpos e da gravidade, Einstein mostrou que as leis de Newton têm, sim, limites. Por exemplo, elas não explicam com alta precisão a órbita de Mercúrio. Nasceu assim uma nova teoria da gravidade, a teoria da relatividade geral, da qual a teoria de Newton é um caso limite, funcionando quando os objetos têm massas pequenas comparadas à uma estrela como o Sol ou estão bem distantes dela.

Portanto, a ciência não é sinônimo de verdade, mas da constante busca por ela. Cientistas sabem que a noção de verdade é algo elusivo, que quando achamos que chegamos perto ela escapa por entre os nossos dedos. Por isso é necessário testar sempre hipóteses e teorias científicas. E isso não ocorre apenas nas ciências físicas. Na biologia e na medicina é a mesma coisa. Se queremos obter um novo remédio, várias possibilidades têm de ser testadas até que se tenha sucesso. No caso da medicina, o dilema envolve a natureza dos testes. Como testar uma droga experimental num ser humano, se não sabemos se vai ou não funcionar? Se, em alguns casos, ela pode até matar o indivíduo?

Aqui entram várias considerações éticas que não aparecem nos testes da relatividade geral. Em muitos casos, drogas e tratamentos (e cosméticos) são aplicados em animais antes de serem testados em humanos. Isso significa que pomos um valor maior na vida humana do que na de um camundongo ou chimpanzé. Imagino que ninguém goste disso. Por essa razão, vários laboratórios, especialmente de cosméticos, declaram não fazer testes em animais. Na medicina e na biologia, a coisa é mais complicada. Para combater as doenças, precisamos de remédios. Apesar de não exisitir uma solução óbvia, simulações em computadores cada vez mais avançados tendem a aliviar ao menos um pouco esse dilema. No meio tempo, cientistas interessados em salvar vidas (humanas) não têm outra opção. Espero que o façam do modo mais humano possível. Afinal, nós não gostaríamos de ser cobaias de outra espécie.

sábado, 1 de março de 2008

Combustível para a ficção


Paralelos entre as histórias da ciência e da literatura para mostrar como o avanço do conhecimento tem inspirado obras-primas


"Muitos jovens foram inspirados a seguir carreiras científicas graças aos livros de Isaac Asimov, Ray Bradbury e Arthur C. Clarke"

Um dos gêneros de ficção mais populares das últimas décadas, ao menos em número de vendas, é aquele inspirado pela ciência. Basta ver as constantes ondas de romances de fantasia para chegar a essa conclusão. Em um passeio por uma livraria, especialmente nos Estados Unidos, nos deparamos com um sem-número de livros de bolso sobre civilizações extraterrestres, robôs ultra-inteligentes que subjugam a raça humana, monstros genéticos que ameaçam nossa sobrevivência, viagens em dimensões múltiplas e através de buracos negros, enfim, todo um universo ficcional influenciado pela ciência e suas descobertas, tanto as confirmadas quanto as conjecturadas.

A relação entre a ciência e a ficção tem uma história nobre. Mesmo que suas origens possam ser encontradas já na Grécia Antiga, a ficção científica começou a tomar corpo durante o nascimento da ciência moderna, no século 17. A descoberta de que a Terra nada mais era do que um planeta, como Marte ou Júpiter, mudou a nossa perspectiva cósmica. Se não somos assim tão centrais, tão especiais, possivelmente outros planetas também podem ter vida. E que tipo de vida seria essa? Johannes Kepler (1571-1630), o grande astrônomo que obteve as leis do movimento planetário (como conto em meu romance "A Harmonia do Mundo", lançado pela editora Cia. Das Letras), foi o primeiro a conjecturar sobre formas de vida extraterrestre. No conto "Sonho", imaginou uma viagem à Lua e como seriam seus habitantes. Antecipando Charles Darwin (1809-1882), de certa forma, Kepler su pôs que os habitantes lunares teriam formas adaptadas ao seu ambiente.

Desde então, muitos outros refletiram sobre essa questão.Voltaire (1694-1778), o mestre do conto irônico, imaginou, no final do século 18, o que um habitante da estrela Sirius, enorme e brilhante, pensaria quando visse os miseráveis terráqueos, que se destroem com suas guerras e vai dades. Em "A Guerra dos Mundos", H.G. Wells (1866-1946) alerta a humanidade para os perigos da excessiva mecanização da sociedade: os marcianos monstruosos que vêm para devorar os humanos são, na verdade, uma projeção do que poderemos vir a ser.

A maior parte dos romances de ficção científica, ao menos os de maior relevância literária, são alegorias morais alertando-nos para os perigos das descobertas sem uma reflexão filosófica e ética: poder fazer não significa dever fazer. E qual exemplo disso é mais popular do que "Frankenstein", escrito por Mary Shelley (1797-1851) em1818, justo quando Alessandro Volta (1745-1827) explorava a importância da eletricidade na condução de impulsos nervosos? Será que o segredo da vida eterna é a eletricidade? Será que estamos preparados para lidar com a imortalidade? Claramente, o romance de Shelley diz que não.

A relação entre ciência e ficção é dual - tanto a ciência inspira a ficção quanto a ficção inspira a ciência. Muitos jovens foram (e continuam sendo) estimulados a seguir carreiras em engenharia e ciência graças aos livros de Isaac Asimov (1920-1992), Ray Bradbury (1920-), Arthur C. Clarke (1917-) e tantos outros. Idéias sugeridas em livros e filmes de ficção científica tornam-se desafios: será que conseguiremos colonizar outros planetas? Será que chegaremos ao teletransporte? E teremos microchips embutidos nos nossos cérebros? Será que construiremos computadores donos de inteligência real?

Essas são questões que estão na fronteira do conhecimento científico, motivando a pesquisa de milhares de pessoas. A imaginação científica não se limita apenas à inspiração que vem do laboratório ou das equações. Ao sonharmos com o impossível, começamos a torná-lo possível - o impossível de hoje é a ciência de amanhã. Porém é bom lembrarmos que toda invenção tem o potencial de ser usada para o bem e para o mal. A ficção não só nos faz sonhar. Ela também estimula a reflexão sobre as conseqüências das nossas descobertas, adicionando sabedoria a nosso conhecimento.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Certezas e o erro de Galileu


Diferentemente da religião, a ciência não se baseia em dogmas, e o cientista deve ter a humildade de abandonar sua idéia caso se comprove que ela está equivocada


"Até a gravidade de Newton foi substituída pela Teoria da relatividade de einstein, que eventualmente será substituída por outra teoria"

O Universo está contido no nosso cérebro. “Como assim? Pensei que fosse justamente o contrário”, protestaria o leitor, indignado. “Não é o Universo que, por definição, contém tudo o que existe?” Pois é. Essa é a versão mais óbvia. Afinal, o Universo estava aqui antes de você ou eu existirmos e continuará depois que partirmos. Nossa existência é uma parcela de tempo microscópica na imensidão da existência cósmica. No entanto, o que sabemos sobre a realidade está contido em nossos cérebros. Toda a ciência, a filosofia, a música, a poesia e a literatura, tudo o que a humanidade criou até agora veio dos nossos cérebros. E essas criações mudam com o tempo, à medida que o conhecimento avança, e as condições sociais e culturais também. Conseqüentemente, a concepção do Universo de hoje, início do século 21, é muito diferente da de alguém do século 16 como, por exemplo, Pedro Álvares Cabral. Para ele, o Universo era fechado, com a Terra estática no centro e tudo girando à sua volta. O Universo está contido no nosso cérebro.

Se isso é verdade, por que às vezes se afirma que a ciência é a busca da verdade? Será que existem verdades absolutas? Ou será que tudo o que podemos afirmar está necessariamente limitado pela nossa ótica humana, pela nossa perspectiva limitada da realidade, pelo Universo que está contido em nossos cérebros?

Aqui, devemos diferenciar entre conjecturas e certezas. A matemática pura lida com verdades absolutas, resultados que independem da perspectiva humana. Por exemplo, quando um matemático afirma que 2+2=4 (no sistema decimal) ou que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus (numa geometria plana), não existe discussão. Qualquer inteligência extraterrestre poderia reproduzir esses resultados, mesmo que fossem representados de forma diferente. O símbolo equivalente ao número dois pode mudar, mas seu significado (a soma de duas unidades) é universal.

O mesmo ocorre com certos resultados da física. Por exemplo, quando escuto que a interpretação da física depende de fatores culturais e subjetivos, sugiro ao meu interlocutor que pule duma altura de 10 metros (numa piscina, claro). Eu garanto que qualquer que seja seu ponto de vista sobre a ciência, sua queda seguirá a lei que Galileu obteve há 400 anos, em que a distância percorrida num movimento com aceleração constante (o caso da queda livre na Terra) é proporcional ao quadrado do tempo.

Mas veja o que Galileu dizia sobre as marés: que eram devido à combinação de dois movimentos de rotação, o da Terra em torno de si mesma e em torno do Sol. Ele tinha “certeza” disso, embora fosse apenas uma conjectura. Sua certeza, aliás, era tanta que convenceu até o papa para que lhe permitisse incluir esse argumento num livro, como prova do modelo de Copérnico, no qual o Sol, e não a Terra, era o centro do Cosmo. Foi Newton quem mostrou que as marés são conseqüência da atração gravitacional que a Lua e o Sol exercem sobre a Terra (e a Terra sobre a Lua e o Sol, mas estes não têm oceanos).

O erro de Galileu nos ensina muito. Mesmo que tenhamos convicção de que uma idéia ou teoria esteja correta, ela só se torna uma explicação viável quando é comprovada por experimentos ou, no caso de descobertas astronômicas, por observações. Essa lição muitas vezes é esquecida. Uma idéia torna-se tão cativante que fica difícil não afirmar que seja verdadeira, antes mesmo de ela ser comprovada. Essa é a diferença essencial entre ciência e fé. Um cientista pode ter fé numa conjectura ou idéia, mas apenas após a prova ela é aceita pela comunidade científica. Ainda assim, a explicação é aceita até que outra melhor a substitua. Porque a ciência, diferentemente da religião, não se baseia em dogmas.

Até a gravidade de Newton foi substituída pela Teoria da Relatividade de Einstein. E esta será eventualmente substituída por outra teoria. Todo cientista, mesmo convicto de que sua idéia esteja correta, deve ter a humildade de abandoná-la se for demonstrada errada. A ciência ensina a humildade, a coragem de admitir que, às vezes, nossas idéias estão erradas, por mais belas e cativantes que sejam. Galileu seria o primeiro a concordar com isso.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

O que é realidade?


Nossos cinco sentidos são fundamentais para que saibamos distinguir o real do virtual. mas as drogas e a tecnologia têm o poder de mudar essa história


"A separação entre mente e corpo, que vem preocupando filósofos há milênios, é cada vez menos óbvia"

Como definir o que é realidade? Como distinguir o real do virtual, o existente da fantasia? "Fácil", diria o leitor, "basta abrir os olhos, que fica óbvio o que é real e o que não é." Será que a coisa é assim tão simples? Para começar, vamos pensar um pouco sobre como percebemos a realidade à nossa volta. Tudo começa, como afirmou o leitor, com o olhar. Melhor ainda, tudo começa com os cinco sentidos, que trazem ao cérebro a informação do que existe à nossa volta: você está lendo esta revista, pegando nela, sentado numa cadeira, ouvindo uma buzina ao longe, ou uma música, ou o cachorro chato do vizinho. Tudo isso é informação que vem de fora para dentro, do mundo para o nosso cérebro. Nele, essa informação é integrada e orquestrada para representar o que chamamos de realidade. Nossa percepção do real é criada pelo cérebro, resultado da integração da informação colhida pelos nossos sentidos.

E se o cérebro falhar? Existem inúmeras doenças neurológicas e psiquiátricas que distorcem o processamento de informação pelo cérebro. Por exemplo, pessoas que sofrem de esquizofrenia ou distúrbios psicóticos podem ouvir vozes em suas cabeças. Outros distúrbios neurológicos podem fazer com que pessoas possam ver palavras ou ouvir música a cores. Mesmo a depressão, que aflige milhões de pessoas, é uma distorção da percepção da realidade e seu impacto emocional. Drogas psicotrópicas tentam restabelecer o balanço químico do cérebro, de forma a restaurar o senso normal de realidade, seja lá como esse normal for definido. Outras, como o LSD ou a heroína, fazem o oposto, criando distorções tão poderosas na percepção da realidade a ponto de emocionar profundamente os seus usuários. Até droga supostamente sexual já foi inventada, o famoso ecstasy. É irônico que a origem do termo êxtase venha, aparentemente, dos filósofos pitagóricos da Grécia Antiga. Para eles, o estado de êxtase era atingido após meditação profunda, quando o filósofo finalmente compreendia a harmornia matemática do mundo e ouvia a música das esferas ecoando pelo Cosmo. Uma viagem muito diferente…

A separação entre mente e corpo, que vem preocupando filósofos há milênios, é cada vez menos óbvia. Da mesma forma que processos químicos regem nossa digestão, outros tantos regem o funcionamento do cérebro. São 100 bilhões de neurônios (mais ou menos o número de estrelas na Via Láctea, uma coincidência um tanto poética), interligados por trilhões de sinapses. Imagine a teia de informação que é o nosso cérebro, cada neurônio uma lâmpada numa gigantesca árvore de Natal, piscando quando ativada por uma corrente elétrica; uma galáxia dentro de nossas cabeças, imagem digna de uma "viagem" de LSD.

É nessa interface entre o biológico e o elétrico que encontramos a nova fronteira do real. Com o desenvolvimento de microchips cada vez menores e mais poderosos, surge uma nova medicina, e implantes biônicos deixam de ser coisa de ficção científica. Quando esses implantes são efetuados no cérebro, têm o potencial de não só melhorar nossa visão como, também, criar distorções da realidade. O game virtual do futuro será jogado dentro da cabeça, sem necessidade de usarmos os cinco sentidos: todos os estímulos serão efetuados diretamente no cérebro, sem intemerdiários. Levando essa idéia ao extremo, posso imaginar um futuro em que nem precisaremos mais ir à praia ou sair de férias: basta rodarmos o programa certo no cérebro e estaremos lá sem deixar nossa casa. A realidade virtual torna-se real, a distinção cada vez mais indistinguível.

Mas espere aí… já vi esse filme! Chama-se "Matrix", claro, no qual humanos que vivem em casulos imaginam ter vidas normais, amando, chorando, viajando e jogando futebol. Será que chegaremos a esse ponto? Em termos tecnológicos, acho que é apenas uma questão de tempo. Por outro lado, a idéia me aterroriza. É difícil imaginar não tocar a pessoa amada e, mesmo assim, tocá-la, ou não mergulhar num mar azul cristal, cheio de peixes tropicais e, mesmo assim, mergulhar. Somos, ainda, prisioneiros dos prazeres sensuais, dos nossos corpos. É difícil prever se algum dia chegaremos a deixá-los inteiramente de lado e viver uma vida construída artificialmente na mente. No meio tempo, vale celebrar a realidade, aquela que nosso cérebro constrói usando os cinco sentidos.