segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ciência e Espiritualidade: um breve manifesto

A união de dois mundos opostos é possível?
A mágica da vida reside nela mesma


Na opinião popular, o título deste texto representa um paradoxo. Ciên­cia e espiritualidade habitam mundos dife­rentes, que em geral entram em conflito ao se aproxinarem. A primeira é vista como uma atividade exclusivamente racional, reducinista, materialista e fria, sem qualquer interesse por questões espirituais. Já a segunda é bem mais difícil de ser definida, representa uma busca pessoal, uma rela­ção com uma realidade que transcende o imediato, que nos conecta com o que vai além do material. Por isso a espiritualidade é considerada a antítese da ciência.

Para piorar, a busca espiritual costuma adotar uma posição que não só é contrá­ria ao materialismo científico, mas que o confronta. Ela passa a ser quase que uma "vingança" para quem está desiludido com um mundo cada vez mais explicável, des­tituído de mágica e poesia.

O movimento romântico do início do século 19 foi uma resposta direta ao racionalismo extremo do século 18. O poeta John Keats acusou Isaac Newton de ter "desfiado o arco-íris", deter roubado a sua beleza com suas expli­cações precisas sobre o comportamento da luz. Nada poderia ser menos verdadeiro.

Quem fecha os olhos para as des­cobertas da ciência moderna e se fia na ocorrência de fenômenos sobrenaturais, paranormais, astrológicos, quem acredita que duendes povoam florestas, quem jura que almas circulam pelo mundo dos vivos sem serem percebidas, faz o mesmo que o poeta: nega-se a apreciar a poesia e a beleza que a ciência nos revela, preferindo pensar como nossos antepassados. E sua crueldade é explorada por oportunistas.

Existe mágica de sobra no mundo que podemos ver com nossos olhos e com os instrumentos que inventamos para ampliar ­ a nossa visão da realidade. Não é preciso se fiar numa realidade invisível e sobrenatural, cuja existência depende de relatos individuais e que é sujeita à fé. Quando queremos muito acreditar em algo, isso se toma mais real. O querer acreditar compromete nossa habili­dade de decidir imparcialmente - ou quase - se uma asserção é ou não verdadeira.

Se meu pai está doente e a medicina moderna não pode fazer nada por ele, por que não levá-Io a um curandeiro, alguém com supostos poderes de exercer curas milagro­sas e inexplicáveis? A morte assusta, foge ao nosso controle, rouba aqueles que amamos. É difícil aceitar a postura materialista de que ela é mesmo o fim, que essa faísca que anima a matéria e nos faz amar e chorar se esvai por completo num piscar de olhos. Nosso dilema é termos consciência de que temos os dias contados. Aceitar esse fato é tão difícil que fazemos de tudo para driblá-Io,criando meca­nismos que vão além do que podemos provar. Talvez isso ajude muitos a aceitarem seus des­tinos. O triste é que os que estão convictos da existência dessa dimensão sobrenatural fechem os olhos para o que a ciência mostra.

Prefiro viver deolhos bem abertos e acei­tar a pré-condiçãodavida, a não-vida. lgnorar o que a natureza nos mostra todos os dias é viver menos, é se apegar a contos de fadas para evitar o confronto com a nossa condição humana. Saber morrer é saber viver, é saber aceitar o quanto são preciosos esses breves momentos que temos para amar, chorar, apreciar a beleza do arco-íris, vibrar com um gol eter medo de perder quem amamos. É na brevidade da vida que reside o seu segredo: saber viver sem medo de morrer. Isso não é nada fácil, e não acredito que tenha conquis­tado o meu próprio medo. Mas prefiro viver com ele a me iludircDm algo que nunca saberei se está certo ou não.

Ninguém gosta da idéia de morrer ou to de sofrer. Ninguém gosta de ver o sofri­mento de tantos no mundo. Porém, se a alternativa é achar que tudo isso vai ser diferente no "além", que forças ocultas regem nossas vidas e podem ser contro­ladas por meio de crenças místicas, ela me parece criar uma sociedade que não enfrenta os desafios que tem pela frente, escondendo-se nas promessas de um mundo inescrutável e inexistente.

Para mim, a mágica ocorre a cada momento em que estamos vivos, que podemos amar e sofrer, que podemos refletir sobre quem somos e sobre como podemos melhorar as nossas vidas e as dos que estão à nossa volta. Perceber essa mágica é abraçar a espiritualidade da ciên­cia. Com ela aprendemos quem somos e como nos relacionamos com o mundo e com o Universo. Entre os caminhos que temos para enfrentar nossos desafios, não vejo outro que possa mostrar o quanto a vida é preciosa e rara, que celebre deforma mais clara a mágica da existência.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O Fim Não Está próximo

Você já ouviu falar no tal APOCALIPSE MAIA DE 2012?


O pânico aumenta a cada dia. Na intemet, uma verdadeira proliferação de sites e bIogs discutem o que para mui­tos, é inevitável: segundo a profecia maia, "observações" astronômicas e conclusões de videntes e espíritas, o ano de 2012 trará a destruição de nosso planeta. Se não do planeta inteio, a de grande parte da vida nele. O mais espertos, claro, compra­rão os livros e os kits de sobrevivência disponíveis na intenet. Grupos cristãos faIan do Armagedão, o encontro entre o Bem e o Mal que marca o fim dos tempos. Blogs narram conspirações de governos e cientistas que escondem a verdade. Poque? Para evitar o caos, a desintegração da sociedade. Se soubéssemos que o fim está chegardo, nos autodestrui­riamos. Mas é só visitar sites como http:I/yowusa.com/planetx/#fuature para descobrir a "verdade". Afinal, faltam apenas quatro anos anos para o fim!

Nostradamus, como sempre, também havia previsto esse fin de mundo. Aliás, parece que ele previu vários deles aos quais felizmente, conseguimos sobreviver. Fico impressionado com a capacidade das pessoas em se deixar levear- por invenções como essas. Não existe absolutamente nada de verdadeiro nos ditos nos "fatos cien­tificos"- que levarão à terrível destruição do nundo em 2012. Não existe nenhum planeta X, ou Nibiru, cuja órbita aproximará da Terra numa órbita alongada aproxima-o da Terrra de tempos em tempos , causando devastações apocalípticas. Não foi ele o responsável pela destruição dos dinossau­ros e sim a a colisão de um asteróide de 10 km de diâmetro. Sem dúvida planetas e objetos estão sendo sempre descobertos. Em 2005, um novo planeta foi observado além da órbita de Plutão pelo grupo do astrônomo Michael Brown, do Instituto de T ecnologia da Califórnia, o Caltech. A uma distância média do 50.197 vezes maior do que a da Terra, o planeta - chamado temporariamente de 2003 UB313 - tem uma massa 1,5 vez maior do que Plutão. E é completamente inofensivo.

Muitos dizem que, no calendário maia, o dia 21 de dezembro de 2012 marca o fim do mundo. O que ocorre é que, nesta data, termina a contagem deste cido de tempo, o de número treze (que azar!), que durou 5.125 anos. Existe apenas uma inscrição incompleta nas ruínas de EI Tortuguero, em Chiapas (México), e dela foi criada a conjectura de que o fim do tal cido levaria à destruição do mundo e à criação de outro. Como os maias tinham uma astronomia de alta precisão, apesar de não terem telescó­pios, devemos concluir que a previsão deve estar correta, e o fim é mesmo inevitável.

Segundo a astronomia moderna, porém, não há nenhum objeto celeste em rota de colisão com a Terra no momento. Mas é verdade que isso ocorre de tempos em tempos. Em 1908, um fragmento de um corneta ou asteróide explodiu sobre uma região remota da Sibéria, destruindo 2000 km2 de floresta. Esse tipo de fenâ­meno é impossível de ser detectado com antecedência devido ao pequeno tamanho cio bólido - no caso, em tomo de 30­ metros de diâmetro. É também verdade que cometas podem penetrar incógnitos a região central do Sistema Solar (onde residimos) até estarem próximos da órbita de Júpiter, o que nos daria em torno de dois anos de aviso prévio. Mas a possibilidade de uma colisão com a Terra é muito, muito pequena. E, com esse prazo, seria possível enviar uma sonda para tentar desviar o cometa. Ou seja, só a ciência poderá nos salvar.

É preciso separar nossas ansiedades e o fato de vermos o mundo em crise de um medo religioso de destruição. Se temos a necessidade de uma nova coincidência para lidarmos com os problemas da nossa geração, o melhor a fazer é nos ajudarmos uns aos outros e não sucumbir à propaganda mentirosa dos que querem se aproveitar de nossas inseguranças. . Não é à toa que Carl Sagan chamou seu último livro de "O Mundo Assombrado por Demônios" e deu-lhe o subtítulo "a ciência vista como uma vela no escuro". Será que os vários fins de mundo de pro­fecias passadas não são suficientes para nos convencer de sua tolice? Ou vamos ter de esperar mais quatro anos?

terça-feira, 1 de julho de 2008

A Mágica da Existência

Na Grecia Antiga, mesmo após o aparecimento da filosofia e de pensadores como Platão e Aristóteles, a superstição ainda reinava suprema. As pessoas se fiavam completamente nas histórias míticas dos deuses do Olimpo, Zeus e sua corte, e nas previsões do Oráculo de Delfos. A astrologia também era muito importante, servindo, aliás, de inspiração aos astrônomos, que procuravam prever os movimentos dos astros celestes com precisão cada vez maior. Afinal, quanto mais preciso o seu mapa astral, maiores as "chances" de estar certo.

Esse tipo de apego ao sobrenatural
levava muita gente ao desespero. Sem poder controlar as fontes supernaturais de sua fé, as pessoas se entregavam a rituais que buscavam apaziguar os deuses, pedir favores, perdão ou vingança. Feito as oferendas que via na esquina da rua em que cresci no Rio de Janeiro, com a galinha preta junto à garrafa de cachaça e os charutos fumados pela metade. Mudaram os deuses, mas não o medo causado pela fé no sobrenaraI ou o impulso de pedir algo a entidades que não fazem parte da nossa realidade.

O poeta romano Lucrécio, que viveu entre 96 e 55 a. c. sabia bem das causas e consequências dessa fé no intangível. Em seu poema "Da Natureza das Coisas", escreveu: "Nem mesmo o brilho do Sol, a radiação que sustenta o dia, pode dispersar o terror que reside na mente das pessoas. Apenas a compreensão das várias manifestações naturais e de seus mecanismos internos têm o poder de derrotar esse medo".

Acho absolutamente fascinante que alguém que viveu há quase dois mil anos tivesse essa clareza de raciocínio no que tange ao poder da razão como antídoto contra o medo que subjuga os que se entregam ao desconhecido. Macumba dá medo. O Inferno também. Lucrécio enfatiza a compreensão dos fenômenos naturais - ou daquilo que hoje chamamos de ciência - como nossa arma contra o terror causado pela fé em uma realidade sobrenatural nem sempre benévola.

Apesar de antigo, o debate se renova constantemente. Hoje, após tantas descobertas científicas, ainda vemos grande parte da população confusa no que diz respeito à Teoria da Evolução de Darwin, à física quântica (que estuda o comportamento dos átomos e de seus constituintes) ou à Teoria da Relatividade e o modelo do Big Bang. Me parece paradoxal
que pessoas usem iPods, navegadores GPS, impressoras a laser, carros com computadores, TVs digitais e DVDs ainda sem saber que essas invenções são produto da física atômica e da relatividade. Mais paradoxal ainda é que vemos nosso comportamento social, o mal que somos capazes de fazer uns aos outros, e ainda nos achamos animais superiores, "inteligentes". Vamos à Lua, enviamos sondas até Marte, desenvolvemos curas para as mais variadas doenças, mas somos incapazes de entender por que nos matamos em guerras ou nas ruas. Entendemos hoje que o cérebro humano é um conjunto de neurônios regados por uma série de hormônios e outras substâncias químicas, criamos drogas para alterar nossas sensações e estados emocionais, discutimos até as origens neurocognitivas da fé e da felicidade, mas continuamos orando para deuses invisíveis que se recusam a falar conosco. Estamos em 2008, mas ainda continuamos a matar pobres galinhas pretas para pô-Ias nas encruzilhadas do nosso vasto País.

As palavras de Lucrécio ressoam hoje tão verdadeiras quanto há dois milênios. Sim, somos seres espirituais e precisamos nos apegar a algo maior do que nós para nos ajudar nos momentos mais difíceis da vida. Mas essa espiritualidade não deveria excluir a compreensão da realidade em que vivemos. Ao contrário, deveria incluí-Ia. Está na hora de entendermos que a mágica da existência não está em ser inexplicável, sobrenatural. A mágica da existência está justamente em ser explicável, em ser acessível às nossas indagações. A mágica da existência está justamente em ela ser humana.

domingo, 1 de junho de 2008

Jogo de Corpo

É bem verdade que discutir política, religião e futebol em geral dá briga. Mas, quando se trata de beleza, a discória é bem mais amena. Cresci indo à praia de Ipanema praticamente todo final de semana. E nada mais comum do que na passada de uma moça, digamos, bem proporcionada, ver dezenas de cabeças masulinas girarem na sua direção como se fossem atraídas por um ímã. As moças por sua vez, são sempre mais discretas, mas não há dúvida de que ocorre com elas. Descontadas as devidas peculialidades culturais, existe algo de universaol no critério humano de beleza, ou, falando mais francamente, de atração sexual.

Um amigo meu uma vez comentou, meio cinicamente, que todas as relações sociais giram em torno do sexo. Trivializando um pouco as coisas, homens competem pelo poder para impressionar as mulheres. Por sua vez elas se embonecam para ganhar a disputa pelos melhores machos. Que disputa é essa? Ao nível mais básico, é a luta pela preservação da espécie como um todo e em particular dos nossos gens. Não sei se vou tão longe quanto Richard Dawkins em arimar que somos, em essência, escravos dos nossos genes egoístas, mas não há dúvida de que a diferença básica entre humens e mulheres está ma suas funções sexuais. Enquanto um homem pode ter filhos com 50 ou mais parceiras, espalhando os seus genes feito sementes ao vento, as mulheres, devido ao longo periodo de gestação, têm de ser bem mais cautelosas nas sua escolhas.

Qual a melhor parceira? Aquela que gerará prole mais saudável, os filhos e filhas que levarão adiante seus genes, ajudando, com seus braços fortes e ventres férteis, a sobrevivência da família. Qual o melhor parceiro? Alquel eque é forte e saudável e melhor geurreiro , o melhor caçadr, o filho do chefe que tudo indica será o futuro chefe. Em termos quantitativos, parece que existe mesmo uma preferência milenar entre os homens por mulheres com quadris aproximadamente 70% maiores do que a cintura. As estatuetas da Vênus do Paleolítico, esculpidas há 28 mil anos, têm essa proporção. A modelo magrinha Twiggy, famosa nos anos 1970, e as mulheres gordinhas de Peter Paul Rubens, o grande pintor do século 17, também. Acha que, se sairmos com a fita mébica pelas praias do Brasil, serão as moças que estiverem perto dessa proporção que atrairão o maior número de olhares - bem, não estou propondo esse experimento!

Essa proporção de quadril para cintura não é acidental. As mulheres com essa relação são as mais férteis e, portanto, as mais cobiçadas pelos machos que visam semear seus genes mundo afora. Ela é determinada pelos hormônios sexuais, o estrogênio em particular. Mesmo que nos últimos 28 mil anos tenhamos desenvolvido códigos de comportamento social que amenizam nossos impulsos mais primitivos - e, amor à parte, o casamento é um grande paliaativo do possível caos hormonal - , em nossa essênàa continuamos sendo animais. Vemos isso não só no nosso comportamento individual como também em grupo. Não acredito que seja difícil para o leitor lembrar de situações em que isso ficou bem claro.

Aprender sobre nós mesmos, mesmo que um pouco incômodo, é muito importante. O fato de podermos associar certos comportamentos sociais à química dos hormônios - quem tem filho adolescente sabe muito bem do que estou falando - não significa que estejamos completamente à mercê do fluxo e refluxo de substâncias bioquímicas em nossos corpos. Pelo contrário: é conhecendo a nós mesmos que podemos evitar situações embaraçosas ou mesmo perigosas, usando uma arma que os outros animais não têm: o poder de reflexão. O conselho "pense antes de agir" é muito sábio. Por outro lado, o nosso córtex frontal não deve de modo algum inibir totalmente os nossos impulsos. Apenas torná-Ios mais... humanos.

terça-feira, 1 de abril de 2008

O fim justifica os meios


Apesar dos avanços nas simulações por computadores, a medicina e a biologia ainda não podem abrir mão dos testes feitos com animais


Cientistas interessados em salvar vidas (humanas) não têm muitas alternativas aos testes com animais. Que os façam do modo mais humano

Como é feita a ciência? Como os cientistas chegam às suas conclusões sobre os mecanismos e propriedades do mundo natural, da vida e do corpo humano? Essa questão vai ao coração do que constitui ciência e verdade científica. Muita gente acredita que ciência é sinônimo de verdade, que as afirmações dos cientistas são uma certeza absoluta. A coisa não é assim tão simples. Isso porque o próprio conceito do que é verdade evolui, muda com o tempo. O que era verdade na época de Cabral, um Cosmo fechado com a Terra imóvel no centro, não é mais verdade. Por outro lado, sabemos que, se alguém cair de um telhado, vai se espatifar no chão com uma velocidade calculável usando a lei da queda livre de Galileu, aprimorada nas leis de movimento de Newton. Essas leis não falham. Serão, então, uma verdade absoluta?

Tudo depende da natureza do fenômeno. Se a teoria científica é baseada em medidas, ela tem de oferecer uma descrição precisa do que está sendo medido. Por exemplo, no caso da queda, Galileu mostrou que todos os corpos, independentemente de suas massas, caem com a mesma aceleração. Essa aceleração, mostrou Newton mais tarde, depende da massa e do raio da Terra. Ou seja, em outro planeta, a lei de Galileu também funciona, mas os corpos cairiam com uma aceleração diferente. Fenômeno descrito, assunto encerrado, certo? Errado!

Teorias científicas estão sempre sendo testadas. E se o corpo cair muito rápido? E se a massa do planeta, ou melhor, de uma estrela, for muito grande? Será que as leis de Galileu e Newton ainda funcionam? A ciência avança justamente quando teorias são expostas ao seu limite de validade. De certa forma, cientistas são como crianças tentando quebrar seus brinquedos, testando até onde eles agüentam os seus abusos. São das falhas de uma teoria que nascem novas teorias. No caso da queda dos corpos e da gravidade, Einstein mostrou que as leis de Newton têm, sim, limites. Por exemplo, elas não explicam com alta precisão a órbita de Mercúrio. Nasceu assim uma nova teoria da gravidade, a teoria da relatividade geral, da qual a teoria de Newton é um caso limite, funcionando quando os objetos têm massas pequenas comparadas à uma estrela como o Sol ou estão bem distantes dela.

Portanto, a ciência não é sinônimo de verdade, mas da constante busca por ela. Cientistas sabem que a noção de verdade é algo elusivo, que quando achamos que chegamos perto ela escapa por entre os nossos dedos. Por isso é necessário testar sempre hipóteses e teorias científicas. E isso não ocorre apenas nas ciências físicas. Na biologia e na medicina é a mesma coisa. Se queremos obter um novo remédio, várias possibilidades têm de ser testadas até que se tenha sucesso. No caso da medicina, o dilema envolve a natureza dos testes. Como testar uma droga experimental num ser humano, se não sabemos se vai ou não funcionar? Se, em alguns casos, ela pode até matar o indivíduo?

Aqui entram várias considerações éticas que não aparecem nos testes da relatividade geral. Em muitos casos, drogas e tratamentos (e cosméticos) são aplicados em animais antes de serem testados em humanos. Isso significa que pomos um valor maior na vida humana do que na de um camundongo ou chimpanzé. Imagino que ninguém goste disso. Por essa razão, vários laboratórios, especialmente de cosméticos, declaram não fazer testes em animais. Na medicina e na biologia, a coisa é mais complicada. Para combater as doenças, precisamos de remédios. Apesar de não exisitir uma solução óbvia, simulações em computadores cada vez mais avançados tendem a aliviar ao menos um pouco esse dilema. No meio tempo, cientistas interessados em salvar vidas (humanas) não têm outra opção. Espero que o façam do modo mais humano possível. Afinal, nós não gostaríamos de ser cobaias de outra espécie.

sábado, 1 de março de 2008

Combustível para a ficção


Paralelos entre as histórias da ciência e da literatura para mostrar como o avanço do conhecimento tem inspirado obras-primas


"Muitos jovens foram inspirados a seguir carreiras científicas graças aos livros de Isaac Asimov, Ray Bradbury e Arthur C. Clarke"

Um dos gêneros de ficção mais populares das últimas décadas, ao menos em número de vendas, é aquele inspirado pela ciência. Basta ver as constantes ondas de romances de fantasia para chegar a essa conclusão. Em um passeio por uma livraria, especialmente nos Estados Unidos, nos deparamos com um sem-número de livros de bolso sobre civilizações extraterrestres, robôs ultra-inteligentes que subjugam a raça humana, monstros genéticos que ameaçam nossa sobrevivência, viagens em dimensões múltiplas e através de buracos negros, enfim, todo um universo ficcional influenciado pela ciência e suas descobertas, tanto as confirmadas quanto as conjecturadas.

A relação entre a ciência e a ficção tem uma história nobre. Mesmo que suas origens possam ser encontradas já na Grécia Antiga, a ficção científica começou a tomar corpo durante o nascimento da ciência moderna, no século 17. A descoberta de que a Terra nada mais era do que um planeta, como Marte ou Júpiter, mudou a nossa perspectiva cósmica. Se não somos assim tão centrais, tão especiais, possivelmente outros planetas também podem ter vida. E que tipo de vida seria essa? Johannes Kepler (1571-1630), o grande astrônomo que obteve as leis do movimento planetário (como conto em meu romance "A Harmonia do Mundo", lançado pela editora Cia. Das Letras), foi o primeiro a conjecturar sobre formas de vida extraterrestre. No conto "Sonho", imaginou uma viagem à Lua e como seriam seus habitantes. Antecipando Charles Darwin (1809-1882), de certa forma, Kepler su pôs que os habitantes lunares teriam formas adaptadas ao seu ambiente.

Desde então, muitos outros refletiram sobre essa questão.Voltaire (1694-1778), o mestre do conto irônico, imaginou, no final do século 18, o que um habitante da estrela Sirius, enorme e brilhante, pensaria quando visse os miseráveis terráqueos, que se destroem com suas guerras e vai dades. Em "A Guerra dos Mundos", H.G. Wells (1866-1946) alerta a humanidade para os perigos da excessiva mecanização da sociedade: os marcianos monstruosos que vêm para devorar os humanos são, na verdade, uma projeção do que poderemos vir a ser.

A maior parte dos romances de ficção científica, ao menos os de maior relevância literária, são alegorias morais alertando-nos para os perigos das descobertas sem uma reflexão filosófica e ética: poder fazer não significa dever fazer. E qual exemplo disso é mais popular do que "Frankenstein", escrito por Mary Shelley (1797-1851) em1818, justo quando Alessandro Volta (1745-1827) explorava a importância da eletricidade na condução de impulsos nervosos? Será que o segredo da vida eterna é a eletricidade? Será que estamos preparados para lidar com a imortalidade? Claramente, o romance de Shelley diz que não.

A relação entre ciência e ficção é dual - tanto a ciência inspira a ficção quanto a ficção inspira a ciência. Muitos jovens foram (e continuam sendo) estimulados a seguir carreiras em engenharia e ciência graças aos livros de Isaac Asimov (1920-1992), Ray Bradbury (1920-), Arthur C. Clarke (1917-) e tantos outros. Idéias sugeridas em livros e filmes de ficção científica tornam-se desafios: será que conseguiremos colonizar outros planetas? Será que chegaremos ao teletransporte? E teremos microchips embutidos nos nossos cérebros? Será que construiremos computadores donos de inteligência real?

Essas são questões que estão na fronteira do conhecimento científico, motivando a pesquisa de milhares de pessoas. A imaginação científica não se limita apenas à inspiração que vem do laboratório ou das equações. Ao sonharmos com o impossível, começamos a torná-lo possível - o impossível de hoje é a ciência de amanhã. Porém é bom lembrarmos que toda invenção tem o potencial de ser usada para o bem e para o mal. A ficção não só nos faz sonhar. Ela também estimula a reflexão sobre as conseqüências das nossas descobertas, adicionando sabedoria a nosso conhecimento.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Certezas e o erro de Galileu


Diferentemente da religião, a ciência não se baseia em dogmas, e o cientista deve ter a humildade de abandonar sua idéia caso se comprove que ela está equivocada


"Até a gravidade de Newton foi substituída pela Teoria da relatividade de einstein, que eventualmente será substituída por outra teoria"

O Universo está contido no nosso cérebro. “Como assim? Pensei que fosse justamente o contrário”, protestaria o leitor, indignado. “Não é o Universo que, por definição, contém tudo o que existe?” Pois é. Essa é a versão mais óbvia. Afinal, o Universo estava aqui antes de você ou eu existirmos e continuará depois que partirmos. Nossa existência é uma parcela de tempo microscópica na imensidão da existência cósmica. No entanto, o que sabemos sobre a realidade está contido em nossos cérebros. Toda a ciência, a filosofia, a música, a poesia e a literatura, tudo o que a humanidade criou até agora veio dos nossos cérebros. E essas criações mudam com o tempo, à medida que o conhecimento avança, e as condições sociais e culturais também. Conseqüentemente, a concepção do Universo de hoje, início do século 21, é muito diferente da de alguém do século 16 como, por exemplo, Pedro Álvares Cabral. Para ele, o Universo era fechado, com a Terra estática no centro e tudo girando à sua volta. O Universo está contido no nosso cérebro.

Se isso é verdade, por que às vezes se afirma que a ciência é a busca da verdade? Será que existem verdades absolutas? Ou será que tudo o que podemos afirmar está necessariamente limitado pela nossa ótica humana, pela nossa perspectiva limitada da realidade, pelo Universo que está contido em nossos cérebros?

Aqui, devemos diferenciar entre conjecturas e certezas. A matemática pura lida com verdades absolutas, resultados que independem da perspectiva humana. Por exemplo, quando um matemático afirma que 2+2=4 (no sistema decimal) ou que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus (numa geometria plana), não existe discussão. Qualquer inteligência extraterrestre poderia reproduzir esses resultados, mesmo que fossem representados de forma diferente. O símbolo equivalente ao número dois pode mudar, mas seu significado (a soma de duas unidades) é universal.

O mesmo ocorre com certos resultados da física. Por exemplo, quando escuto que a interpretação da física depende de fatores culturais e subjetivos, sugiro ao meu interlocutor que pule duma altura de 10 metros (numa piscina, claro). Eu garanto que qualquer que seja seu ponto de vista sobre a ciência, sua queda seguirá a lei que Galileu obteve há 400 anos, em que a distância percorrida num movimento com aceleração constante (o caso da queda livre na Terra) é proporcional ao quadrado do tempo.

Mas veja o que Galileu dizia sobre as marés: que eram devido à combinação de dois movimentos de rotação, o da Terra em torno de si mesma e em torno do Sol. Ele tinha “certeza” disso, embora fosse apenas uma conjectura. Sua certeza, aliás, era tanta que convenceu até o papa para que lhe permitisse incluir esse argumento num livro, como prova do modelo de Copérnico, no qual o Sol, e não a Terra, era o centro do Cosmo. Foi Newton quem mostrou que as marés são conseqüência da atração gravitacional que a Lua e o Sol exercem sobre a Terra (e a Terra sobre a Lua e o Sol, mas estes não têm oceanos).

O erro de Galileu nos ensina muito. Mesmo que tenhamos convicção de que uma idéia ou teoria esteja correta, ela só se torna uma explicação viável quando é comprovada por experimentos ou, no caso de descobertas astronômicas, por observações. Essa lição muitas vezes é esquecida. Uma idéia torna-se tão cativante que fica difícil não afirmar que seja verdadeira, antes mesmo de ela ser comprovada. Essa é a diferença essencial entre ciência e fé. Um cientista pode ter fé numa conjectura ou idéia, mas apenas após a prova ela é aceita pela comunidade científica. Ainda assim, a explicação é aceita até que outra melhor a substitua. Porque a ciência, diferentemente da religião, não se baseia em dogmas.

Até a gravidade de Newton foi substituída pela Teoria da Relatividade de Einstein. E esta será eventualmente substituída por outra teoria. Todo cientista, mesmo convicto de que sua idéia esteja correta, deve ter a humildade de abandoná-la se for demonstrada errada. A ciência ensina a humildade, a coragem de admitir que, às vezes, nossas idéias estão erradas, por mais belas e cativantes que sejam. Galileu seria o primeiro a concordar com isso.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

O que é realidade?


Nossos cinco sentidos são fundamentais para que saibamos distinguir o real do virtual. mas as drogas e a tecnologia têm o poder de mudar essa história


"A separação entre mente e corpo, que vem preocupando filósofos há milênios, é cada vez menos óbvia"

Como definir o que é realidade? Como distinguir o real do virtual, o existente da fantasia? "Fácil", diria o leitor, "basta abrir os olhos, que fica óbvio o que é real e o que não é." Será que a coisa é assim tão simples? Para começar, vamos pensar um pouco sobre como percebemos a realidade à nossa volta. Tudo começa, como afirmou o leitor, com o olhar. Melhor ainda, tudo começa com os cinco sentidos, que trazem ao cérebro a informação do que existe à nossa volta: você está lendo esta revista, pegando nela, sentado numa cadeira, ouvindo uma buzina ao longe, ou uma música, ou o cachorro chato do vizinho. Tudo isso é informação que vem de fora para dentro, do mundo para o nosso cérebro. Nele, essa informação é integrada e orquestrada para representar o que chamamos de realidade. Nossa percepção do real é criada pelo cérebro, resultado da integração da informação colhida pelos nossos sentidos.

E se o cérebro falhar? Existem inúmeras doenças neurológicas e psiquiátricas que distorcem o processamento de informação pelo cérebro. Por exemplo, pessoas que sofrem de esquizofrenia ou distúrbios psicóticos podem ouvir vozes em suas cabeças. Outros distúrbios neurológicos podem fazer com que pessoas possam ver palavras ou ouvir música a cores. Mesmo a depressão, que aflige milhões de pessoas, é uma distorção da percepção da realidade e seu impacto emocional. Drogas psicotrópicas tentam restabelecer o balanço químico do cérebro, de forma a restaurar o senso normal de realidade, seja lá como esse normal for definido. Outras, como o LSD ou a heroína, fazem o oposto, criando distorções tão poderosas na percepção da realidade a ponto de emocionar profundamente os seus usuários. Até droga supostamente sexual já foi inventada, o famoso ecstasy. É irônico que a origem do termo êxtase venha, aparentemente, dos filósofos pitagóricos da Grécia Antiga. Para eles, o estado de êxtase era atingido após meditação profunda, quando o filósofo finalmente compreendia a harmornia matemática do mundo e ouvia a música das esferas ecoando pelo Cosmo. Uma viagem muito diferente…

A separação entre mente e corpo, que vem preocupando filósofos há milênios, é cada vez menos óbvia. Da mesma forma que processos químicos regem nossa digestão, outros tantos regem o funcionamento do cérebro. São 100 bilhões de neurônios (mais ou menos o número de estrelas na Via Láctea, uma coincidência um tanto poética), interligados por trilhões de sinapses. Imagine a teia de informação que é o nosso cérebro, cada neurônio uma lâmpada numa gigantesca árvore de Natal, piscando quando ativada por uma corrente elétrica; uma galáxia dentro de nossas cabeças, imagem digna de uma "viagem" de LSD.

É nessa interface entre o biológico e o elétrico que encontramos a nova fronteira do real. Com o desenvolvimento de microchips cada vez menores e mais poderosos, surge uma nova medicina, e implantes biônicos deixam de ser coisa de ficção científica. Quando esses implantes são efetuados no cérebro, têm o potencial de não só melhorar nossa visão como, também, criar distorções da realidade. O game virtual do futuro será jogado dentro da cabeça, sem necessidade de usarmos os cinco sentidos: todos os estímulos serão efetuados diretamente no cérebro, sem intemerdiários. Levando essa idéia ao extremo, posso imaginar um futuro em que nem precisaremos mais ir à praia ou sair de férias: basta rodarmos o programa certo no cérebro e estaremos lá sem deixar nossa casa. A realidade virtual torna-se real, a distinção cada vez mais indistinguível.

Mas espere aí… já vi esse filme! Chama-se "Matrix", claro, no qual humanos que vivem em casulos imaginam ter vidas normais, amando, chorando, viajando e jogando futebol. Será que chegaremos a esse ponto? Em termos tecnológicos, acho que é apenas uma questão de tempo. Por outro lado, a idéia me aterroriza. É difícil imaginar não tocar a pessoa amada e, mesmo assim, tocá-la, ou não mergulhar num mar azul cristal, cheio de peixes tropicais e, mesmo assim, mergulhar. Somos, ainda, prisioneiros dos prazeres sensuais, dos nossos corpos. É difícil prever se algum dia chegaremos a deixá-los inteiramente de lado e viver uma vida construída artificialmente na mente. No meio tempo, vale celebrar a realidade, aquela que nosso cérebro constrói usando os cinco sentidos.

sábado, 1 de dezembro de 2007

A estrela de Belém


Viaje no tempo e descubra detalhes sobre os fenômenos que iluminaram os céus do hemisfério norte à época do nascimento de Jesus


"Em 12 de agosto do ano 3 a.C., ocorreu uma conjunção muito luminosa dos planetas Júpiter e Vênus na constelação do Leão"

Poucos símbolos são tão evocativos quanto a Estrela de Belém. Todo presépio com a cena da Natividade mostra os Reis Magos, vindos do leste, guiados pela estrela cujo brilho dominava os céus, adornando a noite com o augúrio de um bom presságio, o nascimento de Jesus. Já bem antes dessa época, os céus representavam a escrita dos deuses. Para os babilônios, que inventaram a astrologia, a posição relativa dos planetas e estrelas era carregada de significado, determinando o futuro de um rei ou a fertilidade das colheitas vindouras. Para os chineses, cometas eram um sinal de que algo de terrível iria acontecer. Sem compreender o aparecimento imprevisível de luminárias celestes, as civilizações antigas atribuíam a elas mensagens divinas, boas e más.

O que sabemos da Estrela de Belém? Segundo o Evangelho de São Mateus, a melhor pista que temos, deduzimos que deve ter sido um objeto celeste novo, já que serviu para guiar os Reis Magos do leste. A "estrela" apareceu duas vezes: primeiro, quando os reis tiveram uma audiência com Herodes em Jerusalém; depois, ela "pairou" sobre Belém. Mateus não diz que a estrela era particularmente brilhante, e Herodes não a viu, pois perguntou aos reis quando ela surgiu.

Temos, claro, que supor que a "estrela" de fato existiu e que não era uma aparição sobrenatural. Nesse caso, a questão que vários astrônomos e historiadores da ciência vêm se perguntando há anos é: que tipo de fenômeno astronômico poderia ter causado a aparição celeste?

Para obtermos uma resposta, temos que datar o nascimento de Jesus. Isso é um tanto complicado, pois não existe um registro definitivo. O período mais aceito pelos historiadores é entre os anos 8 e 1 a.C. - ou seja, Jesus provavelmente nasceu antes de Cristo. Mesmo esse intervalo é ainda muito longo. Afinal, coisas interessantes ocorrem nos céus todos os anos. Fontes mais recentes localizam o nascimento em torno de 3 a.C. Quais os candidatos astronômicos da época para a Estrela de Belém?

Se supormos que o evento foi luminoso o suficiente para ser visto em outros países do hemisfério norte, podemos descartar a possibilidade de que a estrela era um cometa ou uma explosão de supernova. Ambos os eventos teriam sido registrados por astrônomos em outras partes do mundo, especialmente na China, onde essas coisas eram levadas a sério. Ademais, cometas eram considerados um mau presságio. Se tivesse sido uma supernova, poderíamos ver seus vestígios até hoje. Por exemplo, a Nebulosa do Caranguejo corresponde aos restos de uma supernova que explodiu no ano 1054 e que foi devidamente registrada por astrônomos chineses e árabes.

Outra possibilidade sugerida é uma chuva de meteoros ou mesmo um meteoro de órbita irregular. A probabilidade, porém, é muito pequena, pois meteoros são vistos por pouco tempo, e a "estrela" pairou nos céus por um período relativamente longo.

Que possibilidade resta, então? Se olharmos para o céu em torno de 3 a.C. - e isso é possível hoje com computadores que recriam exatamente a posição dos planetas e estrelas em qualquer momento do passado -, encontramos um candidato para o evento: uma conjunção planetária especialmente brilhante. Conjunções ocorrem quando vemos dois ou mais planetas ocuparem o mesmo ponto no céu. Na verdade, estão muito distantes, mas, vistos da Terra, parecem se sobrepor. No ano 3 a.C., ocorreram nada menos do que nove conjunções. Mas, no dia 12 de agosto, ocorreu uma conjunção dos planetas Vênus e Júpiter na constelação do Leão, que, além de muito luminosa, tinha um forte significado astrológico. E devemos lembrar que os "reis" eram, muito provavelmente, astrólogos. Para os babilônios, Vênus era Ishtar, a deusa da fertilidade, e Júpiter, o planeta-rei. O casamento celeste deu origem ao nascimento do menino-deus.

Não podemos comprovar, ao menos sem mais dados históricos, se foi esse o evento astronômico que transformou-se na Estrela de Belém. De qualquer forma, é importante meditar sobre a relação entre a Bíblia e a História sob a luz da ciência.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A natureza por trás de um véu


Nosso colunista entra fundo na discussão da reportagem de capa desta edição: afinal, quem (ou o quê) era Deus para Einstein?


"O credo de Einstein era formado por equações, a língua universal do Cosmo"

Quem acha que ciência e religião são duas coisas completamente antagônicas deveria ler a célebre autobiografia de Albert Einstein. Pois é, um dos maiores nomes da ciência de todos os tempos, o homem que nos presenteou com toda uma nova visão de mundo, era uma pessoa profundamente religiosa. Porém o sentido dessa religiosidade deve ser entendido com muito cuidado. Einstein detestava autoridade de qualquer espécie, especialmente a que se impunha por meio de ortodoxias religiosas ou políticas. Não acreditava em um deus sobrenatural ou em qualquer forma de religião organizada. Sua religiosidade foi evoluindo aos poucos, do tradicional ao pessoal, uma história de amor entre a razão e o mundo.

Como ele mesmo afirmou, quando menino era bastante religioso no senso comum, mistificado pelos mistérios da natureza e pela possibilidade de um deus criador. Com 5 anos, seu pai deu-lhe uma bússola de presente. O menino Einstein olhava boquiaberto para o instrumento, tentando entender por que apontava sempre para o norte, que segredos ocultava. Forças invisíveis estavam atuando, revelando um aspecto mágico da natureza, uma realidade que ia além da nossa percepção sensorial.

Aos 12 anos, essa fé num criador que comandava o mundo se transformou. Einstein deixou de acreditar nas histórias da Bíblia e passou a se aprofundar no estudo da ciência. Se a natureza ocultava a sua essência dos homens, cabia a eles tentar desvendá-la. E, para isso, o único caminho era por meio do uso da razão, do método científico. Apenas desse modo seria possível mergulhar fundo nos mistérios do Cosmo e decifrá-los para que todos compartilhem de sua beleza. Einstein considerava essa busca, a devoção de um cientista, a verdadeira religião: "A mais profunda emoção que podemos experimentar é inspirada pelo senso de mistério. Essa é a emoção fundamental que inspira a verdadeira arte e a verdadeira ciência", escreveu. Vemos que os mistérios do mundo despertavam a mesma emoção que sentiu quando era menino, ao ver a bússola apontar para o norte. A emoção do menino inspirou a devoção do cientista, uma devoção que o próprio Einstein acreditava ser essencialmente religiosa: "A existência de algo que nós não podemos penetrar, a percepção da mais profunda razão e da beleza mais radiante no mundo à nossa volta, que apenas em suas formas mais primitivas são acessíveis às nossas mentes - é esse conhecimento e emoção que constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e nesse sentido apenas, eu sou um homem profundamente religioso".

Para Einstein, a religião organizada, com sua ênfase em hierarquias e poder, com seu autoritarismo e repressão, violava a essência da espiritulidade humana, que deveria ser livre para dedicar-se ao que existe de mais importante em nossas vidas, o mundo onde vivemos e as pessoas com quem dividimos nossa existência. Nós somos matéria antes, durante e após as nossas vidas, matéria em diferentes níveis de organização. Enquanto vivos, nada mais nobre do que nos entregarmos à natureza, ao seu estudo e contemplação. Era essa a essência da religiosidade humana, associar o sagrado à natureza, e não a uma divindade antropomórfica, vaidosa e caprichosa.

Einstein acreditava na força da matemática, da razão, para decifrar a essência do mundo natural. Seu credo era formado por equações, a língua universal do Cosmo. Durante as três últimas décadas de sua vida, dedicou-se à busca de uma teoria unificada, uma teoria capaz de descrever todos os fenômenos naturais a partir de uma única força, a causa de todas as causas, o princípio absoluto. Se Einstein acreditava em algum Deus, era nesse, cuja essência única se ocultava na diversidade dos fenômenos naturais, como uma noiva que oculta o seu sorriso por trás de um véu, seduzindo o noivo a vislumbrá-lo.

sábado, 1 de setembro de 2007

Sobre o nada


Parte da história do conhecimento humano trata de uma das questões mais complexas da ciência moderna: o que há no vazio do espaço?


Imagino que, ao ler o título desta coluna, o leitor deva estar pensando que perdi de vez a cabeça. "Sobre o nada? Ele vai escrever o quê sobre isso? O nada é o nada e pronto!" Não se esqueçam da música de Gilberto Gil: "É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar". O vazio, ou melhor, o nada, não é nada trivial. Aliás, entender o nada é uma das questões mais complexas da ciência moderna. E, também, uma das mais antigas.

Aristóteles, o grande filósofo grego que viveu no século 4 a.C., dizia que "a natureza odeia o vazio". Ele acreditava que o espaço vazio não existia. O Cosmo seria preenchido por uma substância misteriosa chamada de quintessência ou éter, a mesma que, em densidades maiores, compunha o Sol, a Lua e os demais objetos celestes. O nome quintessência vem do fato de essa substância ser o quinto tipo de matéria, existente apenas no espaço. Na Terra, tudo era composto de quatro elementos: terra, água, ar e fogo. Aristóteles respondia aos atomistas, filósofos que propuseram um mundo completamente diferente: para eles, tudo era feito de átomos, partículas indivisíveis que podiam se combinar para formar tudo o que existe. Os atomistas diziam que os átomos eram "plenos" e que se movimentavam no vazio, a ausência de substância. O vazio era o que chamaríamos de nada.

A história da física poderia ser contada como uma história do nada. Por incrível que pareça, a controvérsia iniciada no tempo dos gregos permanece até hoje. Isaac Newton, por exemplo, era um atomista. Já o francês René Descartes, que morreu em 1650, quando Newton tinha oito anos, não acreditava no vazio.

Usando suas belas leis da mecânica e da gravitação, Newton provou que, ao menos no Sistema Solar, o espaço era mesmo vazio. Parecia que os atomistas estavam certos. Tudo embolou no século 19, quando o escocês James Clerk Maxwell provou matematicamente que a luz era uma onda eletromagnética propagando-se a 300 mil quilômetros por segundo. De onde vinha essa luz? De oscilações de cargas elétricas no coração da matéria - em 1870, apesar da suspeita de muitos, ainda não se sabia que a matéria era mesmo feita de átomos. Quando você atira uma pedra numa lagoa, vê as ondas propagando-se em círculos concêntricos. Essas ondas são oscilações na água, resultado da transferência de energia da pedra para a água. Até então, achava-se que todas as ondas se propagam em um meio material. As ondas de som, por exemplo, propagam-se no ar - por isso explosões no espaço não fazem barulho, algo que Hollywood recusa-se a aceitar. Qual era o meio em que as ondas de luz se propagam?

Ninguém sabia. Porém, como a luz das estrelas atravessa distâncias enormes, o espaço não pode ser vazio. Daí que os cientistas postularam a existência de um meio material preenchendo todo o espaço que chamaram de… éter! (Aristóteles deve ter sorrido no paraíso dos filósofos.) Foram 40 anos de agonia tentando encontrar esse éter, sem sucesso. Só em 1905, para alívio de alguns e desespero de muitos, Einstein provou, com sua teoria da relatividade especial, que o éter não existe: a luz se propaga no espaço vazio. (Agora foi a vez de Newton sorrir no paraíso dos físicos.)

Fim da história? De jeito algum! Em 1998, astrônomos descobriram que galáxias muito distantes estão se afastando com velocidade acelerada, como se uma misteriosa força antigravitacional agisse sobre elas, a energia escura. O que pode estar causando isso? Ninguém sabe. Mas, seja o que for, é algo que preenche todo o espaço. Um dos candidatos recebeu até o nome de quintessência. Parece que o espaço vazio está mesmo cheio de éter

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A unificação da física


Às vésperas da entrada em funcionamento do acelerador de partículas LHC, na Suíça, nosso colunista faz um balanço das expectativas entre a comunidade científica


Esses são meses cheios de expectativa para milhares de físicos. O gigantesco acelerador de partículas suíço, conhecido pelo seu nome nada romântico "Grande Colisor de Hádrons" (do inglês "Large Hadron Collider", ou LHC), está esquentando os motores, prestes a entrar em funcionamento. Na sua performance, está depositada não só a esperança de prêmios Nobel como carreiras inteiras. Milhares de artigos foram escritos sobre os possíveis resultados dos experimentos. Outros milhares serão escritos sobre a análise dos dados que virão a ser colhidos (veja "Horizontes" de dezembro de 2006).

Afinal, por que essa máquina é tão importante? O LHC é um túnel circular de 27 km de circunferência a 100 metros abaixo da superfície, na fronteira entre a Suíça e a França. Uma colaboração de dezenas de países, incluindo o Brasil, o acelerador visa responder a algumas das questões mais fundamentais da física. Qual a origem da massa das partículas elementares, como o elétron? Por que um próton pesa 2.000 vezes mais do que um elétron? Quantas dimensões existem no espaço, fora a altura, a largura e o comprimento que conhecemos? Será que a física pode ser reduzida a uma única teoria capaz de explicar todos os fenômenos do mundo natural?

O sonho de unificação de todas as forças da natureza numa só, o "campo unificado", é uma inspiração misteriosa que move a pesquisa de ponta da física de altas energias. Einstein dedicou os últimos 30 anos de sua vida procurando por uma teoria que unificasse a gravidade e o eletromagnetismo. Acreditava que as duas forças eram, na verdade, manifestação de apenas uma. Por trás da sua busca, encontramos uma visão da natureza influenciada por conceitos judaico-cristãos: a idéia de que o mundo, em todas as suas manifestações materiais, decorre de um princípio único, uma espécie de monoteísmo natural. Será que a natureza realmente funciona assim?

Apesar de Einstein ter falhado em sua empreitada, a busca pela unificação continua a inspirar milhares de físicos. À gravidade e ao eletromagnetismo, juntam-se as forças nucleares forte e fraca, cujos efeitos só são sentidos a distâncias subnucleares. Unificar quatro forças cujos efeitos vão desde o interior do núcleo, a millhares de trilhonésimos de um centímetro (10-15 cm) até distâncias cosmológicas de trilhões de trilhões de centímetros (1024 cm) não é nada fácil. Dentre as várias dificuldades está a formulação da gravidade em termos consistentes com a física quântica, a física que descreve o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas. Esse casamento da gravidade com o átomo ainda não ocorreu. Mas idéias não faltam.

Dentre elas, a mais famosa envolve as "supercordas", tubos de energia de dimensões imperceptíveis mesmo aos aceleradores mais poderosos. No mundo quântico, tudo flutua; é impossível determinar ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula. Como posição e velocidade definem a energia de uma partícula, a própria energia flutua. Com a gravidade isso é um problema. Segundo Einstein, a gravidade é explicada pela curvatura do espaço-tempo, a arena onde ocorrem os fenômenos naturais. Portanto, a distâncias muito pequenas, onde efeitos quânticos influenciam a gravidade, a própria geometria do espaço flutua! Isso acarreta resultados estranhos, que são aliviados pelas supercordas. Essencialmente, elas introduzem uma distância mínima, regularizando o comportamento da gravidade.

Se os físicos tiverem muita sorte, fora a questão da massa, o LHC poderá ver efeitos relacionados com as supercordas. No momento, nada podemos afirmar. Tudo vai depender dos dados colhidos no acelerador gigante. Afinal, nem sempre a natureza corresponde às nossas expectativas e sonhos.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Maestro invisível


Nosso colunista deixa os mistérios da astrofísica de lado e aventura-se no tema desta edição de Galileu: os mecanismos que regem o cérebro humano


"Talvez nenhuma questão seja tão misteriosa e importante quanto a do funcionamento do cérebro"

Quem é você? O que faz de você um ser único dentre mais de seis bilhões de humanos? Por que você é diferente dos seus irmãos e primos? Por que, a um nível mais básico, somos diferentes dos macacos? De todas as perguntas fascinantes que fazemos sobre o Universo e sobre a vida, talvez nenhuma seja tão misteriosa e importante quanto a questão do funcionamento do cérebro. É graças a ele que amamos, sonhamos, sofremos, corremos, nadamos, nos lembramos do passado ou apreciamos uma boa refeição. É graças a ele que você é você.

No século passado, cientistas determinaram que o cérebro é formado de pequenas entidades capazes de se comunicar entre si por meio de impulsos elétricos. Essas unidades fundamentais, os neurônios, são os "átomos" do cérebro, em torno de 100 bilhões deles. Eles se comunicam por meio de dendritos (receptores) e axônios (transmissores), tentáculos que estabelecem centenas de trilhões de conexões entre os vários neurônios. Cada cérebro carrega, em menos de dois quilos de matéria, aproximadamente o mesmo número de dendritos que o de grãos de areia na praia de Copacabana!

O poder de processamento de informação oferecido por tal número de conexões entre neurônios é incalculável. Em linguagem imprecisa, mas sugestiva, o cérebro é como um hiper-computador, no qual cada neurônio é uma CPU. Só que, diferentemente dos computadores modernos, nos quais a corrente elétrica flui linearmente entre uma ou duas CPUs ou é distribuída entre centenas ou milhares delas em computadores paralelos, no cérebro os trilhões de ligações entre as CPUs são infinitamente mais versáteis. O resultado é uma entidade eletrobiológica ("máquina" não parece um termo adequado) capaz de captar, por meio dos cinco sentidos, uma quantidade gigantesca de informação e, após processá-la, de recriar, integrando essa informação toda, o que chamamos de percepção da realidade. Ou seja, o que chamamos de "realidade" é uma re-criação do cérebro, o mais perfeito dos simuladores virtuais.

Comparando a nossa percepção da realidade, considerada como uma simulação virtual realizada por meio de neurônios, com os computadores mais modernos vemos o quanto ainda temos que aprender sobre o funcionamento do cérebro. Um dos sonhos dos cientistas da computação é a criação de uma máquina capaz de pensar, uma inteligência artificial. Durante os anos 1960 e 1970, grandes pronunciamentos foram feitos, anunciando a proximidade dos computadores inteligentes. E dos carros voadores… Até agora nenhum dos dois foi inventado. No caso dos computadores inteligentes, quanto mais aprendemos sobre o cérebro mais impressiona a sua complexidade. E, infelizmente, mais remota a possibilidade de construirmos uma máquina inteligente, ao menos no futuro mais próximo.

Nos últimos dez anos, tecnologias de visualização não-invasivas, como a Imagem por Ressonância Magnética (MRI) e a Tomografia por Pósitrons (PET), vêm permitindo o estudo do funcionamento do cérebro em tempo real, ou perto disso. Essas pesquisas revelaram a enorme capacidade que os neurônios têm de funcionar em grupo, alguns com milhares deles, como estrelas piscando na noite, e de diferentes grupos comunicarem-se em regiões diferentes do cérebro, como se fossem instrumentos numa orquestra regida por um maestro invisível. Ouvir uma música ou pensar nela aciona grupos semelhantes de neurônios. É dessas intricadas relações que o seu cérebro conjura a sua pessoa, a sua mente, você: tão diferente dos outros bilhões de pessoas no mundo, mas, em essência, também tão igual.

terça-feira, 1 de maio de 2007

“Onde está todo mundo?”


Apesar das possibilidades remotas, nosso colunista inclui a si mesmo no grupo de cientistas que nutrem a esperança de um dia encontrar vida alienígena inteligente


A pergunta do título foi feita pelo grande físico italiano Enrico Fermi a alguns de seus colegas de Los Alamos, o laboratório americano onde, entre 1942 e 1945, foi construída a bomba atômica. Fermi não se referia a uma lista de convidados para uma festa. Sua preocupação era com os seres extraterrestres que, supostamente, deveriam já ter nos visitado.

Fermi raciocinou da seguinte forma: sabemos que nossa galáxia, a Via Láctea, tem em torno de 100 mil anos-luz de diâmetro e uma idade de 10 bilhões de anos. Se alguma forma de vida inteligente tivesse desenvolvido espaçonaves capazes de viajar, digamos, a 10% da velocidade da luz (isto é, 30 mil km/s), teria atravessado a galáxia 10 mil vezes em 10 bilhões de anos. Nessas travessias todas, por que não deram uma ou mais paradinhas por aqui? Onde estão os ETs?

OK, você pode argumentar que é extremamente improvável que uma civilização tivesse se desenvolvido a tal ponto de sofisticação logo no início da vida da galáxia, há 10 bilhões de anos. Afinal, a Terra só surgiu há 4,6 bilhões de anos, e a vida inteligente, em torno de 100 mil anos atrás. Ou seja, passaram-se quase 5 bilhões de anos até que vida inteligente pudesse aparecer aqui. Tudo bem, dou um desconto. Digamos, então, que seres ultra-sofisticados surgiram em algum outro ponto da galáxia há 1 bilhão de anos. Nesse caso, eles teriam tido tempo de atravessar a galáxia mil vezes. Cadê eles?

Existem várias respostas possíveis para essa pergunta. Muitos acreditam que eles estiveram já por aqui. Outros que ainda estão. Infelizmente, não temos qualquer prova disso. Não existem artefatos com tecnologia alienígena, provas de teoremas matemáticos dadas a cientistas, sabedoria profunda de inteligências mais sofisticadas reveladas a filósofos ou políticos, nada de concreto. Existem depoimentos, visões e miragens que podem ser explicadas muito mais facilmente como fenômenos atmosféricos do que como sendo espaçonaves. Os deuses, segundo a opinião da maioria absoluta dos cientistas, não eram astronautas. É muito mais fácil acreditar em algo quando se quer muito acreditar nesse algo.

Sei que essa posição irá desapontar aqueles que juram ter visto algo estranho e "inexplicável" nos céus. Eu também já vi, mas era um meteorito espetacular. Os cientistas não são céticos porque são chatos; são céticos para proteger a sociedade de abusos da verdade, charlatanismo e oportunismo que ainda ocorrem com muita freqüência. Seríamos os primeiros a celebrar a descoberta de vida extraterrestre. Afinal, a natureza é cheia de surpresas, e muito mais esperta do que nós.

O que sabemos é que, ao menos no nosso Sistema Solar, a possibilidade de vida existe, mas é remota. Talvez tenha existido em Marte, talvez existam seres muito exóticos em Europa, a lua de Júpiter que tem um oceano sob uma crosta de gelo. Vários fatores complicam a questão. Mesmo que a vida seja muito criativa e resistente, as condições nos outros planetas são muito difíceis: frio ou calor intenso, radiação destrutiva, falta de água. Fora isso, o pulo em complexidade de vida para vida inteligente é imenso. Acho provável que exista vida em outros planetas e luas pela galáxia. Porém a probabilidade de que essas formas de vida sejam inteligentes e tecnologicamente sofisticadas a ponto de viajar pelo espaço a velocidades altíssimas é muito pequena.

Mas não é nula. É isso que nutre a esperança de tantos, não só a dos que juram já ter visto os ETs, como, também, a dos cientistas céticos que sonham em vê-los.

domingo, 1 de abril de 2007

Uma outra inflação


Esqueça os problemas da economia. para a cosmologia, o fenômeno ajuda a compreender a expansão do universo


Parece brincadeira, mas inflação não é importante só em economia. Em cosmologia é algo crucial. Aliás, com papel inverso. Se em economia inflação causa problemas, em cosmologia ela resolve. O que ambas têm em comum é o crescimento acelerado de alguma quantia. No caso da economia, dos preços das coisas; na cosmologia, do tamanho do Universo.

O leitor deve estar se perguntando por que o crescimento acelerado do tamanho do Cosmo é algo de bom para a cosmologia. Tudo começa com o Big Bang. Segundo esse modelo, aceito pela maioria absoluta dos cientistas em razão de suas várias confirmações observacionais, o Universo teve uma infância muito quente e densa e vem se expandindo e resfriando desde então. Hoje, sabemos que o Cosmo tem uma idade finita, um pouco menos que 14 bilhões de anos. Porém, apesar de seus inúmeros sucessos, o Big Bang, como qualquer modelo científico, tem suas limitações. Por exemplo, sabemos hoje que o espaço tem uma geometria plana. Isso significa que ir para o norte ou o sul, para o leste e o oeste, ou para cima e para baixo dá no mesmo. Poderia, alternativamente, ter a geometria de uma bola, como Albert Einstein imaginou em 1917. O modelo do Big Bang não explica por que venceu a plana, dentre as várias possíveis geometrias para o espaço.

Existem outras limitações do Big Bang, mas vamos focar só na geometria do espaço. O objetivo da ciência é tentar explicar o máximo possível sobre o mundo natural com um mínimo de suposições. Portanto, quanto mais poderoso um modelo, mais ele pode explicar. Por que a geometria do Universo é plana? Será que existe alguma explicação plausível?

Em 1981, o físico americano Alan Guth, hoje professor no MIT (Massachusetts Institute of Technology), teve a seguinte idéia: e se o Universo, ainda bastante jovem, tivesse passado por um período no qual houvesse crescido violentamente rápido, como um balão que fosse inflado por uma bomba ultrapoderosa? Como sabemos graças aos balões de festas de aniversário, quanto mais os inflamos, menos curvos eles ficam. Basta focar um pequeno ponto e ver o que ocorre enquanto eles vão crescendo: quanto maiores, mais planos. Pois o mesmo acontece com a geometria do Cosmo: se ela inflar rapidamente, vai ficar extremamente plana.

Guth propôs que a energia necessária para inflar o universo-bebê tenha vindo da matéria que existia nessa época primordial, bem diferente da que vemos hoje, formada por átomos e moléculas. Teorias que descrevem como a matéria interage nas altíssimas energias que existiam logo após o "bang", milhões de trilhões de vezes maiores do que as liberadas nas explosões de bombas atômicas, incluem precisamente o tipo de matéria que dá o empurrão necessário ao Cosmo, causando sua inflação. Portanto, Guth sugeriu que a física do muito pequeno, das partículas elementares, explicasse a física do muito grande, a geometria plana do Universo.

Como todo bom modelo científico, o universo inflacionário fez outras previsões, fora a geometria plana do Cosmo. Uma delas, ligada à formação de galáxias e outras estruturas astronômicas, foi confirmada recentemente. Há poucas semanas, dei um seminário no MIT que calhou de ser no dia do sexagésimo aniversário de Guth. Ele era todo sorrisos. Seus colegas de trabalho encheram a sala de balões coloridos, cada um uma lembrança de sua idéia genial.

quinta-feira, 1 de março de 2007

Razão irracional?


Nosso colunista vê falhas no discurso de cientistas ateus como Richard Dawkins e revela: “o mistério do desconhecido me inspira por ser real”


O leitor de Galileu viu, na reportagem de capa da edição de janeiro, a nova face da antiga guerra entre ciência e religião: os cientistas, ao menos alguns deles, resolveram contra-atacar e criticar severamente a religião. Mais do que criticar, ridicularizar. Segundo Richard Dawkins, o famoso divulgador de ciência inglês, autor, entre outros, do celebrado "O Gene Egoísta", a religião é uma grande ilusão, perpetrada por milênios. Deus não existe, milagres não existem, o sobrenatural não existe. Em pleno início do terceiro milênio, é mais do que óbvio que a religião é desnecessária, coisa do passado.

Como não podia deixar de ser, as afirmações de Dawkins e outros (por exemplo, Sam Harris e Daniel Dennett) ofendem muita gente. E deveriam. Me parece que Dawkins queria exatamente isso, polemizar. Bem, ele conseguiu. Seu livro "The God Delusion" ("A Desilusão Deus") está na lista dos mais vendidos nos EUA e ele apareceu na capa da "Time", uma das revistas mais lidas do mundo. As pessoas estão prestando atenção. Mas será que o que está sendo dito faz sentido? E, se faz, será que está sendo dito do modo certo?

Não há dúvida de que a ciência, na sua descrição material do mundo, é incompatível com a existência de uma realidade sobrenatural, paralela. A ciência lida apenas com o que é mensurável, com fenômenos quantitativamente verificáveis. Não existe espaço para depoimentos pessoais, visões ou alucinações de caráter religioso. Portanto, milagres, fantasmas ou outras entidades que não obedecem às leis naturais não entram no discurso científico. É simples: se algo ocorre e é visto, ou seja, se interage com alguém ou com um detector, passa a fazer parte da realidade. Como tal, deve ser compreensível como um fenômeno natural. Para a ciência, o sobrenatural não existe.

É fácil criticar as premissas da religião, ao menos ao nível mais básico. Se você acredita em Deus, não diga a seu filho que fantasmas não existem. E qual dos tantos deuses propostos pelas religiões do mundo é o Deus de verdade? Exemplos não faltam. Porém o argumento central de Dawkins é, na minha opinião, furado. Ele usa a razão para justificar o irracional. Segundo ele, Deus, sendo a entidade mais perfeita que existe, deveria ser o produto final da evolução, e não o seu precursor: se foram necessários 3,5 bilhões de anos até que a vida conseguisse fabricar seres inteligentes, demoraria muito mais para uma criatura perfeita surgir. O argumento falha por usar a teoria da evolução fora de seu regime de validade. Deus não obedece às leis de causa e efeito que regem o Universo material. Se a intenção de Dawkins era convencer pessoas incertas com relação à religião a mudarem de idéia, não acho que esse seja o caminho certo.

Mas, então, o que fazer? Primeiro, definir o público-alvo. Os religiosos ortodoxos jamais mudarão de idéia. Porém milhões de pessoas vão a igrejas e sinagogas mais por tradição do que por convicção. Vão não por acreditar que a hóstia é a carne de Cristo ou que os Dez Mandamentos vieram de Deus, mas porque seus avôs e pais também vão. Vão para pertencer a um grupo, para fazer parte de uma tradição cultural. Vão para se proteger do mundo, da dor, da perda. A ciência não tem o direito nem a função de interferir na fé das pessoas. O que deve ser feito é esclarecer, educar o público para evitar confusões. O erro da ciência é supor que tudo é razão. Já a religião erra quando quer ser ciência.

Muitos cientistas são religiosos por verem na natureza a obra de Deus. Não é o meu caso. A beleza que vejo na natureza não atribuo a Deus, mas à própria natureza. O mistério do desconhecido me inspira por ser real. E o mais fascinante é que, através da ciência, podemos decifrar ao menos parte dele.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Escuridão cósmica



Como todo modelo científico, o Big Bang tem suas lacunas. A maior de todas é o mistério sobre a matéria e a energia escuras



Acosmologia - a parte da física que estuda as propriedades do Universo - tem passado por momentos emocionantes. O assunto, como escrevi para a reportagem de capa de Galileu de novembro, é bem controverso. A origem do Universo, ou como surgiu "tudo", é algo que mexe com as pessoas, despertando apaixonadas discussões. Nos quase 80 anos desde que o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu que as galáxias distantes estão se afastando da nossa Via Láctea, o modelo do Big Bang tomou corpo e aceitação na comunidade científica: o prêmio Nobel de 2006 foi para John Mather e George Smoot, ambos responsáveis por observações que provaram conclusivamente que o Universo teve, de fato, uma infância muito quente e densa como prevê o Big Bang.

Porém, como todo bom modelo científico, o Big Bang também tem suas limitações. Existem várias lacunas ainda não explicadas, tanto nos primórdios da história cósmica, durante os primeiros centésimos de milésimo de segundo após o "bang", quanto, pasme caro leitor, no Cosmo atual.

Por incrível que pareça, não sabemos do que o Universo é feito. Ou melhor, qual a composição da matéria que preenche o Cosmo. A situação enfrentada pelos cosmólogos é semelhante à de um cozinheiro que sabe que precisa de três ingredientes para fazer o seu bolo, sabe a quantidade necessária de cada ingrediente, mas só conhece um deles.

O ingrediente conhecido, claro, é a matéria normal, feita de prótons e elétrons, que compõem tudo o que existe, das pedras e borboletas aos anéis de Saturno e as estrelas. O problema é que medidas obtidas nas últimas décadas indicam que essa matéria normal é a minoria absoluta no Cosmo. Para ser mais preciso, apenas 5% da matéria cósmica. E os outros 95%? Em torno de 1930, o astrônomo Fritz Zwicky demonstrou que galáxias que coexistem em aglomerados - grupos de galáxias que, atraídas pela própria gravidade, giram em torno de si mesmas como moscas em torno de uma lata de lixo - comportam-se como se atraídas por muito mais matéria do que aquela visível. Mais tarde, ficou claro que em torno de 90% da matéria em aglomerados e mesmo em galáxias individuais é invisível a olho nu.

O estranho é que essa matéria não é composta de elétrons e prótons como os nossos átomos. Sabemos que ela existe devido à sua força gravitacional, mas não sabemos do que é feita. Por isso, essa matéria foi batizada de "matéria escura". Medidas das velocidades de galáxias em aglomerados e das propriedades da radiação de fundo cósmico - a radiação de microondas que banha o cosmo - indicam que aproximadamente 25% da matéria cósmica é matéria escura. Somando com os 5% de matéria normal, chegamos a 30%. Faltam os outros 70%…

Em 1998, outra descoberta astronômica sacudiu o mundo científico. Objetos muito distantes e brilhantes, conhecidos como supernovas do tipo Ia, parecem estar se afastando menos rapidamente do que a expansão prevista pelo Big Bang. Menos rapidamente com relação a quê? A objetos mais próximos. Como a luz vinda de objetos distantes deixou-os no passado remoto, a conclusão é fantástica: em torno de 10 bilhões de anos atrás, o Universo resolveu acelerar sua taxa de expansão, como se uma espécie de antigravidade tivesse passado a agir. A questão, claro, é o que pode causar esse efeito? Vários candidatos foram propostos para descrever essa "energia escura", que nem cara de matéria tem, não sendo formada por partículas, mas, sim, espalhada pelo Cosmo como uma sopa de energia. Sabemos que ela ocupa precisamente os outros 70% da receita cósmica. O desafio agora é descobrir o que são essa matéria e energia escuras. Quem acha que não existe emoção em ciência não sabe o que está perdendo!