sábado, 1 de março de 2008

Combustível para a ficção


Paralelos entre as histórias da ciência e da literatura para mostrar como o avanço do conhecimento tem inspirado obras-primas


"Muitos jovens foram inspirados a seguir carreiras científicas graças aos livros de Isaac Asimov, Ray Bradbury e Arthur C. Clarke"

Um dos gêneros de ficção mais populares das últimas décadas, ao menos em número de vendas, é aquele inspirado pela ciência. Basta ver as constantes ondas de romances de fantasia para chegar a essa conclusão. Em um passeio por uma livraria, especialmente nos Estados Unidos, nos deparamos com um sem-número de livros de bolso sobre civilizações extraterrestres, robôs ultra-inteligentes que subjugam a raça humana, monstros genéticos que ameaçam nossa sobrevivência, viagens em dimensões múltiplas e através de buracos negros, enfim, todo um universo ficcional influenciado pela ciência e suas descobertas, tanto as confirmadas quanto as conjecturadas.

A relação entre a ciência e a ficção tem uma história nobre. Mesmo que suas origens possam ser encontradas já na Grécia Antiga, a ficção científica começou a tomar corpo durante o nascimento da ciência moderna, no século 17. A descoberta de que a Terra nada mais era do que um planeta, como Marte ou Júpiter, mudou a nossa perspectiva cósmica. Se não somos assim tão centrais, tão especiais, possivelmente outros planetas também podem ter vida. E que tipo de vida seria essa? Johannes Kepler (1571-1630), o grande astrônomo que obteve as leis do movimento planetário (como conto em meu romance "A Harmonia do Mundo", lançado pela editora Cia. Das Letras), foi o primeiro a conjecturar sobre formas de vida extraterrestre. No conto "Sonho", imaginou uma viagem à Lua e como seriam seus habitantes. Antecipando Charles Darwin (1809-1882), de certa forma, Kepler su pôs que os habitantes lunares teriam formas adaptadas ao seu ambiente.

Desde então, muitos outros refletiram sobre essa questão.Voltaire (1694-1778), o mestre do conto irônico, imaginou, no final do século 18, o que um habitante da estrela Sirius, enorme e brilhante, pensaria quando visse os miseráveis terráqueos, que se destroem com suas guerras e vai dades. Em "A Guerra dos Mundos", H.G. Wells (1866-1946) alerta a humanidade para os perigos da excessiva mecanização da sociedade: os marcianos monstruosos que vêm para devorar os humanos são, na verdade, uma projeção do que poderemos vir a ser.

A maior parte dos romances de ficção científica, ao menos os de maior relevância literária, são alegorias morais alertando-nos para os perigos das descobertas sem uma reflexão filosófica e ética: poder fazer não significa dever fazer. E qual exemplo disso é mais popular do que "Frankenstein", escrito por Mary Shelley (1797-1851) em1818, justo quando Alessandro Volta (1745-1827) explorava a importância da eletricidade na condução de impulsos nervosos? Será que o segredo da vida eterna é a eletricidade? Será que estamos preparados para lidar com a imortalidade? Claramente, o romance de Shelley diz que não.

A relação entre ciência e ficção é dual - tanto a ciência inspira a ficção quanto a ficção inspira a ciência. Muitos jovens foram (e continuam sendo) estimulados a seguir carreiras em engenharia e ciência graças aos livros de Isaac Asimov (1920-1992), Ray Bradbury (1920-), Arthur C. Clarke (1917-) e tantos outros. Idéias sugeridas em livros e filmes de ficção científica tornam-se desafios: será que conseguiremos colonizar outros planetas? Será que chegaremos ao teletransporte? E teremos microchips embutidos nos nossos cérebros? Será que construiremos computadores donos de inteligência real?

Essas são questões que estão na fronteira do conhecimento científico, motivando a pesquisa de milhares de pessoas. A imaginação científica não se limita apenas à inspiração que vem do laboratório ou das equações. Ao sonharmos com o impossível, começamos a torná-lo possível - o impossível de hoje é a ciência de amanhã. Porém é bom lembrarmos que toda invenção tem o potencial de ser usada para o bem e para o mal. A ficção não só nos faz sonhar. Ela também estimula a reflexão sobre as conseqüências das nossas descobertas, adicionando sabedoria a nosso conhecimento.

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